A VENDINHA DE SEU ARISTEU
- Lilian Rocha
- 16 de nov. de 2017
- 4 min de leitura
Um dos meus maiores sonhos quando criança e adolescente era ter um armazém, igualzinho aos da minha infância, que a gente chamava de ‘venda’. Gostava dessa história de vender e não queria vender uma coisa só, queria vender tudo. Por isso, um armazém, pra mim, era o único estabelecimento comercial que atenderia às minhas exigências, pois venderia de tudo, desde feijão e arroz até as coisas mais improváveis, como agulha, durex ou papel celofane. Dessa forma, jamais me faltariam fregueses, pois sempre existe alguém precisando de alguma coisa a qualquer hora do dia. Mas o que mais me fascinava nesses meus ‘devaneios comerciais’ era o caixa. Eu achava lindo trabalhar no caixa, pra apertar aquele monte de botões que faziam a gaveta se abrir de repente. E a visão da gaveta aberta era tudo pra mim! Era toda divididinha, com ganchinhos que prendiam as notas, cada valor no seu quadradinho, tudo arrumadinho... Se eu não pudesse ter meu armazém, então que a vida, pelo menos, me deixasse realizar meu sonho de ser caixa! Tanto desejei que esse dia chegou. - Quer trabalhar no caixa do Café? – perguntou meu pai, certo dia. O Café a que ele se referia, nada mais era que o ‘Café Aragipe’, a primeira torrefação de café de Aracaju, fundada por meu avô, Theódulo Cruz, em 1933, que ficava na rua José do Prado Franco. Meu avô, por esse tempo, estava enfrentando um problema de saúde e por isso, meu pai se ofereceu para ajudá-lo. Mas administrar uma torrefação com dezenas de funcionários não era assim tão fácil, principalmente para meu pai que era bancário e nunca teve muito jeito pra comércio. E justamente o caixa se constituía uma das suas maiores preocupações, pois vez por outra apresentava uma diferença. Por isso, aquele convite tão repentino. É claro que nem pensei duas vezes, aceitei na hora. Ora, aquele era o sonho da minha vida! Além do mais, não seria um emprego definitivo, seria apenas por um mês, para tentar minimizar o problema. E assim foi. Pela manhã eu ia para a faculdade e assim que acabava a aula, eu pegava um táxi e ia para o Café. Para o Café só não, para o meu lugar no Caixa! Nos primeiros dias, foi uma felicidade! Ali funcionavam, ao mesmo tempo, a indústria e o comércio. O café era torrado de madrugada, em torradeiras enormes e pretas que ficavam mais ao fundo. Depois de torrado e moído, o café ia para outra máquina, a empacotadeira, e depois era recebido por umas 4 funcionárias que terminavam de fechar e selar os pacotinhos enfileirados. Até hoje não sei quem era mais rápida, se a máquina que enchia o pacotinho ou se as meninas que terminavam de fechá-lo, tamanha era a habilidade delas. Era lindo de se ver! Depois de empacotado, o café vinha para as prateleiras da frente, atrás dos balcões, onde ficava à espera dos fregueses. Muitos levavam o café ainda quentinho para casa. Além da indústria e do comércio, ainda havia uma lanchonete, responsável pela maior parte do movimento diário. Por isso, era grande o movimento no caixa também, de fregueses que se alternavam à minha frente, ora querendo meio quilo de café, ora querendo uma ‘média com pão’. Tinha que ter uma habilidade muito grande para atender o freguês, passar troco e, principalmente, não deixar a fila crescer! Mal eu tinha tempo de arrumar as notas na gaveta... À medida que o tempo foi passando, fui percebendo que aquele sonho não era tão ‘dourado’ como eu pensava... Muito pelo contrário! O dinheiro que eu recebia normalmente era muito velho, pois a maioria dos fregueses era formada de feirantes, e dinheiro velho tem um cheiro horrível que aos poucos vai impregnando as mãos. Além disso, eu ainda tinha que enfrentar alguns fregueses meio inconvenientes, às vezes bêbados, que me tratavam das mais variadas formas, o que me deixava morta de vergonha. De modo que fui me desencantando, aos poucos, daquele ofício e quando a nova caixa chegou, eu fui embora dali e nem senti saudades. Voltei a frequentar o Café, apenas como filha e como neta, com direito a pão quentinho e guaraná... de graça! O tempo passou e mesmo sem ter realizado meu sonho de ter um armazém, confesso que eles ainda me fascinam. Quase não os encontro mais na ‘versão antiga’, pois a maioria deles foi substituída por supermercados ou lojas de conveniência, mas é possível encontrá-los de repente, numa esquina de qualquer cidade, até mesmo numa cidade gigantesca e moderna como por exemplo... São Paulo. Essa ‘vendinha’ que eu descobri em SP fica numa esquina, bem em frente a uma pracinha. Lá vende de tudo: vassouras, baldes, carne, verduras, ovos e até pilhas, uma delícia! Seu dono é um senhor simpático, que atende pelo nome de ‘seu Aristeu’. Vez por outra vou lá, atrás de ovos, batatas e tomates para terminar o almoço, mas nunca volto só com isso, pois invariavelmente quando chego lá, sou recebida com umas músicas antigas tão boas, que só fazem aumentar ainda mais minhas saudades e prolongar o meu tempo ali dentro, fazendo-me comprar coisas de que eu nem preciso. E enquanto espero seu Aristeu fazer as contas, meu olhar se perde em direção àquela pracinha. Ali, naquele minúsculo pedacinho da cidade, o tempo parece não passar. É uma São Paulo diferente, silenciosa e sem pressa que eu experimento. Dessa vez, sentirei saudades de você, São Paulo. Da pracinha, da padaria de seu José, do táxi de seu Alexandre... Mas principalmente da vendinha de seu Aristeu. Porque é ali, bem em cima da vendinha dele que mora a minha filha Letícia. E apenas dois lances de escada me separavam dos abraços dela... (Lilian Rocha – 17.02.14)

Comentarios