EDELWAISS
- Lilian Rocha
- 12 de ago. de 2018
- 2 min de leitura
Talvez de tudo, o que mais me faz falta é a voz dele. Meu pai tinha uma voz linda, grave e aveludada. E inconfundível, segundo os milhares de ouvintes que acompanhavam, semanalmente, seus programas de rádio.
Mas além do rádio, meu pai também tinha outra paixão: a música. Aos sábados, ainda criança, lembro-me de acordar com o som das músicas dele na radiola da sala. E junto com as músicas, vinha também o barulhinho inconfundível da máquina de escrever, sua companheira inseparável. Nós morávamos no Conjunto dos Bancários e nosso quarto era o que ficava mais juntinho da sala. Eu pulava da cama feliz, porque sabia que era sábado. No sábado, não tinha Banco do Brasil, nem terno nem gravata. O dia era todo dele, ele podia fazer o que mais gostava: escrever ouvindo música. Aos poucos, o entusiasmo dele ia crescendo e ele começava a cantar, enquanto escrevia. Lembro-me de ouvi-lo cantarolando Nat King Cole, Bing Crosby, Doris Day, Carlos Galhardo e tantos outros...
Mas a música que eu mais gostava de ouvi-lo cantar era “Edelweiss”, uma das trilhas sonoras do filme “A Noviça Rebelde”. Nessa cena, o capitão Von Trapp (Christopher Plummer) recebe o violão das mãos de Maria (Julie Andrews) e canta “Edelweiss” para os seus sete filhos que, sentados no chão, o olham extasiados, pois desde que ficara viúvo, ele havia se fechado para o mundo, nunca mais quis saber de música. É Maria quem traz a música de volta para aquela casa. Essa sempre foi a minha cena preferida. A mais emocionante. Para eles, era como se o pai, terno e amoroso que eles haviam conhecido um dia, estivesse ali de volta outra vez, por inteiro.
A voz de meu pai se parecia muito com a de Christopher Plummer. E quando ele cantarolava “Edelweiss”, minha alma se esparramava no chão, completamente extasiada. Ali estava meu pai “por inteiro”. Como nos meus sábados de criança.
Já perdi as contas de quantas vezes vi esse filme. E em todas as vezes que vejo, a emoção é a mesma.
Em novembro do ano passado, encontrei, numa livraria de Salvador, algumas fotografias de cenas de filmes famosos. Dentre elas, achei a da minha cena favorita e comprei para meu pai. Foi o último presente que dei para ele. Preguei a foto na porta do guarda-roupa, bem em frente à cama dele e disse que era pra ele se lembrar sempre de cantar. Nessa mesma noite, enquanto eu lhe servia o jantar, eu o ouvi cantarolando baixinho “Edelweiss”. Eu só não sabia que aquela seria a última vez que eu o ouviria cantar...
Depois que ele se foi, peguei a foto e coloquei-a na parede do meu quarto, em frente à minha cama. Para me lembrar dele cantando.
Assim escolhi comemorar o “Dia dos Pais”, o primeiro de todos os outros que passarei sem o meu pai. Ouvindo “Edelweiss”, fingindo que a voz de Christopher Plummer é a voz aveludada de meu pai, cantando pra mim. E nesse misto de emoção e saudade, eu o terei de volta para mim. Por inteiro. E mesmo breve, tornarei eterno este momento. Como se fosse sábado.

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