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TRIBALISTAS

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 1 de ago. de 2018
  • 3 min de leitura

Ainda me lembro daquele dia. Era um sábado de manhã e eu estava na sala, trabalhando absorta no computador, quando Felipe, meu filho, se aproximou de mim com um cd na mão e disse: "Tome, mãe, ouça! Acho que você vai gostar!" E sem dizer mais nada, saiu. Peguei o cd, mas por gentileza do que qualquer coisa, pois era um cd gravado, que não tinha nem capa, só um nome escrito às pressas, com aquelas canetas especiais de gravar cd: "Tribalistas".

Ora, quando a gente tem filhos adolescentes, a possibilidade de gostarmos das mesmas músicas deles é um tanto quanto... remota, digamos assim. Mas resolvi experimentar. "Eu ouço uma ou duas músicas e se eu não gostar, dou uma desculpa qualquer a Felipe...", pensei. E assim, enfiei o disco no computador, despretensiosamente, e voltei ao meu trabalho.

Os "Tribalistas" nada mais eram que Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte que resolveram unir as vozes para gravarem juntos um cd. Apenas isto. Nada de shows. Um projeto despretensioso, que nem eles mesmos acreditavam que ia dar certo.

Devo abrir aqui um parêntese e confessar que nunca gostei de Titãs. Talvez não fosse nem pelas músicas, mas pela aparência de dois deles especialmente: Arnaldo Antunes e Paulo Miklos. Eles eram esquisitos, tinham os cabelos arrepiados e os olhos esbugalhados. Cantavam pulando e as músicas eram bem agoniadas pro meu gosto. Não tinham nada a ver comigo. Somente muitos anos depois, quando eles lançaram o primeiro cd acústico, foi que eu me dispus a ouvir um cd inteiro. E fiz as pazes com a banda... :) Quanto a Carlinhos Brown, pra mim era só sinônimo de percussão, timbalada, carnaval. Música pra ouvir lá, debaixo do trio elétrico. Jamais em casa, numa manhã calma de sábado. Por isso, eu tinha certeza de que não ia gostar daquele cd.

Mas à medida que as músicas foram tocando, fui me envolvendo cada vez mais. Ali estava uma versão de Carlinhos Brown completamente diferente da que eu estava acostumada a ver no carnaval. Muito mais calmo, mais "comportado"... E Arnaldo Antunes também nem parecia com aquele cara esquisito do Titãs... Três vozes, três timbres, três estilos tão diferentes e ao mesmo tempo tão harmoniosos. E quem imaginou que aquela mistura não ia dar certo, errou. Foi o disco mais vendido naquele ano de 2002.

Dezesseis anos mais tarde e lá estou eu comprando ingresso pra ir ao primeiro show dos "Tribalistas" em Salvador, junto com minha filha. Nem pensei duas vezes quando ela me avisou. Aquele seria um show histórico e eu não podia perder.

E enquanto minha filha revivia a adolescência dela, durante o show, eu também revirei minhas lembranças...

Lembrei dos "Doces Bárbaros", outro show histórico que eu também tive o privilégio de assistir em Salvador, no Teatro Castro Alves, em 1976, quando tinha 18 anos: "Doces Bárbaros" nada mais eram que Caetano, Gil, Gal e Bethânia que também resolveram unir as vozes e fazer um show, para comemorar os 10 anos de carreira. Na época, todos acharam também que aquela mistura de vozes tão distintas não tinha a menor condição de dar certo. Mas deu. O show virou disco, o disco virou filme e quem assistiu, nunca mais esqueceu.

Agora, lá estava eu, aos 60, em plena Fonte Nova, totalmente encantada com os Tribalistas, lembrando de meus filhos e das músicas que embalaram a adolescência deles. Quando a gente tem filhos adolescentes e tem por eles um amor infinito, acaba amando, também, as músicas que eles amam... Assim foi com "Los Hermanos", "Paralamas", "Pato Fu" e tantos outros. Arnaldo Antunes nem sabe, mas tenho hoje, no meu computador, dezenas de músicas dele...

É assim que tenho celebrado os meus 60 anos. Dizendo sim à vida, à alegria, às oportunidades. Decidi não perder nada, não deixar nada para amanhã. Decidi me lembrar de como é bom a gente se sentir feliz. E por isso, decidi ser feliz, mesmo sem motivo. Porque a vida nada mais é que isso: uma sucessão de fatos estranhos, de perguntas sem respostas, de sentimentos que se alternam. Uma mistura que, por mais estranha que seja, sempre dá certo. Por isso, é necessário experimentá-la, em toda a sua intensidade. Pois não tivesse eu me permitido experimentar tantos meses de tristeza e solidão e jamais teria reconhecido a alegria escondida naqueles breves e intensos momentos...

 
 
 

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