AMOR À...PACIÊNCIA!
- Lilian Rocha
- 16 de nov. de 2017
- 6 min de leitura
Posso não entender de política, de economia, de futebol, mas se tem uma coisa que eu entendo é de novelas! Acompanho novelas desde criança, quando elas eram todas pelo rádio. E mesmo sem imagem, a gente conseguia ‘visualizar’ as cenas todas, graças ao desempenho dos atores e à sonoplastia. Pelo timbre de voz sabíamos quem era o vilão, a mocinha, o velho ou a criança e alguns sons, produzidos no estúdio, nos faziam imaginar que estava chovendo ou que alguém estava subindo uma escada, abrindo uma porta ou tomando água... Quando fui trabalhar na Rádio Aperipê, tive a sorte de ter como colega um antigo ator de radionovelas, chamado Hamilton Leandro. Era baiano e dono de uma voz linda. Vivia sonhando com o tempo em que fora ator e sonhava em voltar a ser. Pode-se dizer que quando nos conhecemos, juntou-se “a fome com a vontade de comer”, pois quando ele descobriu que eu tinha jeito pra inventar histórias e quando eu descobri que ele tinha sido radioator, não deu outra, tratamos logo de fazer uma parceria. Além de me emprestar sua bela voz para fazer a abertura de todos os meus programas, tive a oportunidade de aprender com ele como se fazia de verdade a sonoplastia num estúdio de rádio. Nessa época eu produzia umas vinhetas que ensinavam português, através de histórias dramatizadas. Eu escrevia a história, depois entrávamos no estúdio e transformados em personagens, dávamos vida à história. Ele era, ao mesmo tempo, ator, diretor e sonoplasta. E me ensinou quase tudo de rádio. Mas o que ele queria mesmo era que eu escrevesse uma novela de rádio, quando isso nem existia mais. E de tanto ele falar, acabei escrevendo uma novela chamada “A difícil decisão de Márcia”, baseada, claro, em fatos reais... A ‘Márcia’ em questão nada mais era que minha cunhada que estava grávida pela 4ª vez e de gêmeas. E como se não bastasse isso, ela ainda contraiu rubéola logo nos primeiros meses. Isso gerou a maior polêmica! Alguns achavam que ela devia interromper a gravidez, pois os fetos podiam nascer com algum defeito; já outros defendiam a continuação da gravidez, acreditando que no final tudo daria certo... Esse problema estava me preocupando tanto, que resolvi transformá-lo na tal radionovela que tanto Hamilton Leandro me pedia. É claro que nem ousei chamar aquilo de ‘radionovela’, mas se em terra de cego, quem tem um olho é rei, o fato é que ele viu ali uma grande oportunidade de reviver seus anos dourados como ator e tratou de escalar os personagens ali mesmo, em meio aos funcionários da rádio: eu faria o papel de Márcia, ele seria o marido de Márcia, seu Eugênio (o chefe de jornalismo esportivo) ia ser o médico de Márcia e por aí vai... Não sei quem sonhou mais fazendo essa novela, se fui eu ou ele. O fato é que a novela ficou pronta, mas nunca foi ao ar. Mesmo assim, valeu a pena. Hamilton matou a saudade de fazer radionovela, eu me diverti fazendo e Márcia, minha cunhada, que decidiu por continuar a gravidez, teve duas meninas lindas e saudáveis. E de quebra, ganhou uma história que nunca ouviu. Nem ela nem ninguém, pois a novela foi gravada em fita de rolo e eu nunca tive onde ouvir. Mas guardo-a com muito carinho, como todas as outras lembranças do rádio. Depois das novelas de rádio, vieram as de TV. Lembro de ‘Redenção’, que ficou 3 anos no ar, de “Nossa filha Gabriela”, a primeira novela que passou em Aracaju, quando ganhamos nosso primeiro canal, das novelas inteligentes de Dias Gomes, dos dramas de Janet Clair, das comédias de Cassiano Gabus Mendes, dos enredos envolventes de Gilberto Braga, enfim, não é de agora que acompanho novelas... Também não concordo com os que acham que novela é pra gente burra. Seria o mesmo que desconsiderar o trabalho dos atores, do autor, do diretor, do figurinista, do sonoplasta e de tantos outros profissionais que emprestam seu talento para transformar a fantasia em realidade. Ou a realidade em fantasia, tanto faz. Mas apesar do tempo, ainda não descobri o que é mais importante numa novela, se o texto ou se o ator. Já vi textos bons se perderem completamente na fraca atuação de alguns atores como também já vi bons atores que por mais que tentem não conseguem deixar o texto melhor. Acho que o segredo é casar um bom texto com um bom ator... E é exatamente isso que está fazendo falta nas novelas de hoje. Nossa atual novela das nove parece mais o samba do crioulo doido... O autor resolveu abordar, não sei por que, todos os temas possíveis e imaginários de uma só vez, sem no entanto, se aprofundar em nenhum. Na área de saúde, ele já abordou obesidade, lúpus, transplante de órgãos, linfoma de Hodgkin, paraplegia, paranormalidade, câncer, autismo, barriga de aluguel, AIDS, cegueira; na área de comportamento já explorou virgindade, homossexualismo, bissexualismo, sexo, traição, garota de programa, transtorno de personalidade; na área de religião já agradou a todos: católicos, evangélicos, judeus e muçulmanos; na área policial, já vimos tráfico de drogas, sequestro, assassinatos, falsificações, estelionato, roubo de criança... ufa! Tão logo um novo tema é abordado e no dia seguinte ninguém fala mais sobre ele. Ou seja, não há uma discussão, um debate, nada! Alguns personagens surgem do nada, como por exemplo, o personagem de José Wilker que apareceu pra ter um romance com a filha, mas como o público não aceitou, o jeito que teve foi ele ter um romance com a mãe dessa filha. Isso não ficou bem explicado, pois essa mulher era uma respeitável mãe de família até o meio da novela. Agora o coitado do José Wilker foi empurrado pra ter um caso com outra mulher, de modo que nem ele sabe mais quem é nem pra onde vai. Se eu fosse ele, pedia pra sair... Fora o merchandising escancarado de livros, que não tem nada a ver com o contexto, pois todos os atores agora aparecem lendo, divulgando o título do livro e o nome do autor. Pior do que isso, só o merchandising do Big Brother. Há mais de um mês que o autor enche linguiça, anunciando esse programa, usando como garota-propaganda a personagem ‘Valdirene’, tentando nos convencer de que ela é muito engraçada, quando na verdade é exagerada e sem graça. Ele ainda não entendeu que para se fazer graça, não é preciso falar errado ou andar como se estivesse de quatro pés... Fico imaginando o que se passa na cabeça de Antônio Fagundes, por exemplo. Um ator daquele quilate ter que se sujeitar a passar um mês de olhos fechados, repetindo o mesmo texto: “Oh, Aline, que seria de mim sem você?” Como é que um médico, dono de um hospital, de repente fica cego e reage tão resignadamente assim? O autor misturou tanto, que agora já não sabemos mais quem são os vilões. Félix está completamente regenerado, graças a uma curta temporada vendendo cachorro-quente, como se isso pudesse consertar a inveja e o mau caratismo de alguém... Um vilão fica bonzinho, o bonzinho vira vilão, o homossexual vira hetero, a paraplégica sobe a escada de cadeira de rodas, a filha única morre e faz surgir outra irmã que nunca existiu antes, o muçulmano diz à judia que vai virar um homem-bomba, meu Deus! Mas a pior cena pra mim foi a da advogada traindo o marido com o marido da outra. Segundo o enredo, a advogada estava com câncer de mama e antes de fazer a cirurgia, marcou um encontro com a rival, para lhe pedir que se afastasse do seu marido. Pois bem, poucas semanas depois da cirurgia, vejo a advogada dentro do motel com o marido da outra, linda e faceira, com os cabelos intactos, e enquanto ele tenta tirar a blusa dela, ouço esta pérola: “Vamos, quero ver qual é o de verdade e qual é o de silicone...” Querido Walcyr, sinto muito mas sou forçada a dizer que aí você exagerou... Está na cara que você não entende nada de câncer e muito menos de alma feminina. Quando uma mulher tira um seio, é uma parte dela que é arrancada, o símbolo da feminilidade. Isso faz com que a mulher se sinta muito mal, com a autoestima muito baixa, você entende? Eu até aceito que você ‘queira’ dizer que fazer uma mastectomia não é o fim do mundo, mas a ‘forma’ que você escolheu dizer foi no mínimo indelicada para com as mulheres que estão enfrentando este problema... Confesso que estou curiosa para saber como será o final dessa história que há muito já perdeu o fio condutor, mas em respeito aos grandes atores ali presentes, sigo firme, assistindo. Pois se tem uma coisa que eu tenho bastante é respeito pelo trabalho do ator e amor... à paciência! (Lilian Rocha – 03.01.14)

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