top of page

BEIJINHO NO OMBRO

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 17 de nov. de 2017
  • 2 min de leitura

Tudo começou com uma reclamaçãozinha de leve, que logo foi aumentando, até se tornar constante. Depois ele começou a se recusar a me acompanhar em algumas coisas que sempre me pareceram bastante simples. Já não aceitava, por exemplo, que eu levantasse o braço pra mudar a temperatura do chuveiro, nem que eu abrisse uma porta de armário mais emperrada, nem muito menos que eu dormisse virada para o lado dele. Começou a reclamar de tudo. Do meu jeito de dormir, de me vestir e principalmente do meu jeito de escrever. Dizia que eu tinha mania de escrever e quando estava escrevendo, esquecia de tudo. Até dele.

Fiquei sem saber o que fazer. Depois de tantos anos juntos, estávamos, agora, enfrentando nossa primeira crise. E eu, marinheira de primeira viagem, ali no meio, perdida. Não podia, simplesmente, jogar tudo pro alto e parar de escrever só para lhe satisfazer; nem podia, tampouco, continuar agindo da mesma maneira, como se nada estivesse acontecendo. Eu o estava magoando e o sofrimento dele também estava me fazendo sofrer.

Foi aí que resolvi procurar a ajuda de um profissional, pois eu sabia que, sozinha, jamais iria conseguir tirá-lo daquela crise. Tomei um banho rápido - sem mudar a temperatura do chuveiro para não irritá-lo ainda mais – e depois de vestir uma roupa - sem a ajuda dele, claro - segui com ele ao endereço marcado. A sala de espera estava lotada. Escolhi um lugar mais reservado, ao fundo da sala e nos sentamos. Durante o longo tempo de espera, fiquei mexendo no celular, mas ele não reclamou. Acho que estava ansioso por aquela consulta, bem mais que eu. Quando finalmente chegou a nossa vez, falei ao médico tudo o que eu estava sentindo. Que eu já não podia fazer nada do que fazia antes e, por isso, nossa convivência estava ficando cada vez mais insuportável. Depois de nos examinar mais cuidadosamente, o médico balançou a cabeça e com expressão grave, pôs-se a conversar comigo. Disse-me que aquela crise fora causada por um problema de postura meu e, por isso, era necessário que eu mudasse completamente a minha rotina, a fim de que pudéssemos recuperar os movimentos perdidos. Eu havia sido displicente com aquele ombro amigo, provocado uma tendinite e se continuasse a agir da mesma maneira, eu certamente acabaria provocando o rompimento de todos os tendões que nos uniam... - É isso que a senhora deseja? – perguntou ele, subitamente. - De jeito nenhum, doutor! Eu não suportaria nenhum tipo de rompimento. - Pois então, a senhora vai me prometer que vai cuidar melhor do seu ombro, fazer pequenas pausas no trabalho e algumas sessões de fisioterapia...

Beijei meu ombro com carinho e prometi dar-lhe uma nova vida, de agora em diante, desde que ele também me prometesse nunca mais me ameaçar com aquela história besta de ‘rompimento’...

E aqui estamos nós, com os ânimos totalmente renovados. Antes de dormir ontem, fiz questão de brindar o nosso amor com um comprimido de Celebra e um copo de água. Em troca, ele me deixou dormir, outra vez, virada para o lado dele... (Lilian Rocha - 02.04.14)


Comments


RECENT POSTS
SEARCH BY TAGS
ARCHIVE
bottom of page