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O 'ARRASTÃO'

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 17 de nov. de 2017
  • 3 min de leitura

Eu não me lembrava mais onde era a entrada. Julguei até que nem existisse mais. Afinal, o tempo da saudade é um tempo diferente, que não se conta em dias ou em horas, como um tempo normal. E nesse tempo que não passa, todas as lembranças ficam guardadas, do mesmo jeito como as deixamos, esperando pelo momento em que as desdobraremos, novamente, para recordá-las... Chamava-se ‘Arrastão’, a mais badalada casa noturna do meu tempo de adolescente, e seu proprietário era um barbudo simpático, de fala mansa, a quem todos chamavam de ‘Tonho’. O sucesso do seu empreendimento foi tão imediato que logo Tonho deixou de ser, simplesmente, ‘Tonho’, para virar “Tonho do Arrastão”. A boite era a extensão de um restaurante que ficava bem no finalzinho da Av. Ivo do Prado, onde antigamente funcionou a ‘CRASE’ – Clube do Rádio Amador de Sergipe. Naquele tempo, não havia muitas opções de lazer. Aos sábados à noite, quase todo mundo ia para a Atalaia. Era lá onde todos os amigos se encontravam e era lá onde todos combinavam o que iam fazer depois dali. Como não dirigíamos ainda, íamos e voltávamos com nosso querido e saudoso amigo Martinho Barreto, que era um pouco mais velho e por isso mesmo, fazia às vezes de pai de todos nós, sempre olhando e cuidando da gente. Chegávamos, aproximadamente, 9 e meia, escolhíamos um daqueles milhares de botecos sujos e malcheirosos – eram todos assim - e lá ficávamos boa parte da noite, sentados naqueles tamboretes de madeira, superdesconfortáveis... Confesso que nunca entendi nem concordei com o fato de alguém ter que se arrumar toda para se sentar num lugar como aquele. Sempre achei uma 'falta de respeito' para com os sapatos altos! Mas, paciência...

Um dos melhores barzinhos daquele tempo chamava-se ‘Barraco’. Era o único que ficava do lado esquerdo da pista, juntinho do Hotel Beira Mar, e seu proprietário era conhecido como “Boa Morte”, nem me perguntem por quê! O ‘Barraco’ não desmentia o seu nome. Era realmente um barraco, montado na areia e coberto de palhas. Devia ser o mais desconfortável de todos, pois como os bancos ficavam enfiados na areia, nossos sapatos também se enchiam de areia. Mas todo aquele sacrifício valia a pena, pois o bom gosto musical de Boa-Morte era indiscutível! À meia-noite, mais ou menos, seguíamos para o “Arrastão”, onde reencontrávamos as mesmas pessoas que também estavam na Atalaia... Nossa noite terminava por volta de 2 horas da manhã e para encerrá-la em grande estilo, nada como um hamburger, comprado no trailer da ‘Pizza Sorriso’, que havia sido montado ali, bem ao lado da boite. Hamburger, nesse tempo, era a maior novidade em Aracaju e só era encontrado nesse trailer. Isso explica o tremendo sucesso que fazia... Assim era a minha Aracaju dos anos 70. Sem internet, sem celular, sem cinto de segurança, sem violência...

Dia desses saí com meu marido para um delicioso fim de tarde. Como estávamos sem carro, escolhemos um lugar onde pudéssemos ir a pé e por isso, fomos parar no “Renatão”, um restaurante que fica a 200m da nossa casa, por coincidência bem ali, no finalzinho da Av. Ivo do Prado... Com exceção do trailer, nada mais existe daquele tempo. Nem a boite, nem os amigos. Apenas duas portas sobreviveram. A da esquerda, que dava para o restaurante e a da direita, por onde entrávamos na boite. Fiquei alguns instantes em silêncio, olhando para ela, enquanto minha saudade se soltava de mim e corria, ansiosa, em busca de um tempo longínquo, que hoje só existe na minha lembrança...

"O que as grandes e puras afeições têm de bom é que depois da felicidade de as ter sentido, resta ainda a felicidade de recordá-las." (Alexandre Dumas Filho)

(Lilian Rocha – 11.04.14)


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