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O OCEANO AZUL

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 17 de nov. de 2017
  • 4 min de leitura

Quem primeiro me falou dele foi meu primo Kleyton, quando me ouviu falar, certa vez, dos meus planos e da dificuldade de pô-los em prática, justamente por não saber brigar com a concorrência. Ele estava se referindo ao livro de marketing “A estratégia do oceano azul”, de W. Chan Kim e Renée Mauborgne, que propõe, para esses casos de concorrência muito acirrada, que as empresas tentem criar um ‘oceano azul’ onde não haverá concorrentes.

Para entender melhor, é preciso imaginar que há dois tipos de ‘oceanos’: o vermelho e o azul. No primeiro, é onde navega a maioria das empresas e como a concorrência entre elas é muito grande, elas acabam brigando por mais espaço e essa briga acaba provocando um ‘sangramento’, tingindo de vermelho aquela parte do oceano. Já o oceano azul é bem menos populoso e, por isso, a água é mais límpida. É lá onde navegam as empresas diferenciadas, que em vez de se preocuparem tanto com o que as concorrentes estão fazendo, criam coisas diferentes e alcançam, naturalmente, o seu lugar no mercado.

A partir dessa primeira explicação e do livro que Kleyton, carinhosamente, me presenteou, me apaixonei pelo ‘oceano azul’. Sei que toda concorrência é necessária, pois obriga aos donos dos estabelecimentos estarem sempre atentos ao preço e aos serviços prestados, mas detesto aquele tipo de concorrência briguenta e desleal, onde quem vence é sempre o ‘mais forte’, o 'mais esperto’, o ‘mais desonesto’. Se uma pessoa monta uma farmácia numa rua, por exemplo, imediatamente aquilo desperta a inveja de alguém que não teve a mesma ideia antes e, por isso mesmo, vai tentar fazer de tudo para derrubar o outro. Começa por montar outra farmácia na mesma rua e passa a se dedicar, 24h por dia, a tornar a vida do concorrente um inferno. O resultado é que, ao cabo de algum tempo, as duas farmácias acabam indo à falência...

De modo semelhante, há escolas que dispendem uma energia enorme imitando outras, em vez de desenvolverem seus próprios métodos de ensino e estratégias de marketing. Se uma escola coloca uma faixa para homenagear o aluno que passou no vestibular, imediatamente aparecem dez, copiando a mesma estratégia. Então a primeira se vê obrigada a fazer algo diferente e cria um banner, em vez de faixa. E imediatamente os banners são também copiados. Então, nasce a ideia de mandar fazer um banner com a foto do aluno. E eis que esta ideia é também copiada... De repente, a cidade está inteiramente repleta de faixas inúteis, fruto de um círculo vicioso do qual ninguém sabe como se livrar...

E eu me pergunto: qual a ‘finalidade’ de povoar a cidade inteira com faixas e banners? Num tempo em que se fala tanto de ecologia, seria ‘politicamente correto’ chamar de ‘marketing’ tamanho desperdício de madeira e tecido, além dessa tremenda poluição visual? Será que ninguém pensa no perigo que essa exposição de rostos e endereços pode provocar? Por uma questão de segurança, não seria o caso de as próprias escolas abrirem mão desse recurso, a fim de preservarem a identidade e o endereço de tantas famílias?

Sempre acreditei que há espaço para todo mundo e não é preciso ‘matar’ nem puxar o tapete de ninguém pra conquistar um lugar ao sol. Admiro as pessoas que vencem pela criatividade, pela originalidade e pela competência. Que buscam as águas límpidas do ‘oceano azul’ para mostrar seu talento.

Nada entendo de carnaval e menos ainda de escolas de samba. Aliás, nunca tive muita paciência para assistir aos desfiles, pois os achava longos e monótonos. Mas de alguns anos pra cá, eu sinto que alguma coisa mudou ali. Em vez de apenas um desfile de fantasias luxuosas, o que se vê agora é um verdadeiro espetáculo teatral, onde enredo, sons, cores e danças se misturam alegre e harmoniosamente, enchendo os olhos da gente. No meio dessa disputa, um personagem tem me chamado à atenção, particularmente pela sua criatividade. Enquanto a maioria das escolas busca sobreviver naquele ‘oceano vermelho’, Paulo Barros nadou em direção ao ‘oceano azul’ e deu asas à sua imaginação: transformou os carros em alegorias vivas, levou a bateria para cima de um carro alegórico, montou uma pista de esqui com 16 toneladas de gelo, uma cervejaria, uma pista de corrida, um carro com bonecos vivos de barro, mostrou pessoas trocando de roupas num passe de mágica, fez cabeças caírem, molas dançarem, martelos levitarem e se divertiu, mais do que ninguém, provando que é possível navegar por oceanos nunca dantes navegados...

No ano passado, muitos incidentes aconteceram durante o desfile, fazendo com que sua escola não ganhasse o título. Mesmo assim, ele comemorou sambando, com a mesma alegria de quem ganha um título. Como faz um verdadeiro habitante do oceano azul, que sabe perder com dignidade e esperar sua próxima oportunidade, em paz, sem alarde, com a certeza de que ela não tardará. Este ano ele homenageou Ayrton Senna, outro campeão do oceano azul. Inventou uma corrida maluca, com personagens de desenho animado e brincou com a velocidade o tempo todo. Nada faltou nessa corrida maluca: o box, o kart, a curva perigosa, o pódium e até a chuva. Lembranças inesquecíveis daquele campeão que fazia questão de pintar de verde e amarelo nossas manhãs de domingo. Foi um desfile impecável que deu à ‘Unidos da Tijuca’, o seu quarto título. Não pretendo, aqui, questionar o dinheiro gasto no carnaval nem tampouco a origem dele. Quero apenas ressaltar o talento e a criatividade de um homem que tem revolucionado o carnaval e encantado até mesmo quem não entende nada de carnaval, como eu. Um carnavalesco criativo que numa fração de segundos nos fez acreditar que a vitória está mesmo num oceano azul. Num oceano azul e amarelo...

(Lilian Rocha – 06.02.14)


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