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O PRIMEIRO SIM

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 16 de nov. de 2017
  • 5 min de leitura

A história dela era igual a muitas outras: ela gostava dele, ele gostava dela, mas os dois pareciam não se entender e viviam brigando. Às vezes por motivos sérios, outras vezes sem motivo nenhum. Ela sonhava com um futuro que nunca chegava; ele tinha medo de sonhar os sonhos dela. E nessa confusão de sentimentos, os dois foram se desencontrando cada vez mais, até o dia em que se perderam para sempre. Naquele dia, ela sofreu muito, pois sabia que tinha que tomar uma decisão, uma das mais difíceis de sua vida, talvez. Faltava-lhe forças, porém. Foi aí que ela ergueu os olhos para o alto e buscou ajuda. E se entregou, resignadamente, à vontade de Deus...

Muito longe dali, a história de outro casal também estava chegando ao último capítulo. Um capítulo como nenhum outro, escuro e doloroso, como uma noite fria de inverno, dessas em que somos obrigados a enfrentar, sem agasalho algum. E foi exatamente assim, numa madrugada sombria de novembro, que Deus escolheu escrever o final daquela história. Enquanto ele ainda dormia, Ele a levou para sempre da vida dele. Faltou-lhe forças para tamanha dor. Por isso, ele também ergueu os olhos para o alto e suplicou por ajuda. E se entregou, resignadamente, à vontade de Deus...

Sempre ouvi dizer que Deus era um bom marinheiro, que Ele consegue fazer cessar todas as tempestades e acalmar até mesmo o mar mais revolto. Basta, simplesmente, que Lhe confiemos o leme de nossa vida e deixar que Ele próprio nos conduza... Naquele dia, não foi diferente. De posse daqueles dois lemes abandonados e preocupado com o estado daquelas frágeis embarcações, Deus ordenou aos ventos que parassem de soprar, pois precisava levá-las de volta à margem. Ouvindo aquela voz, o vento imediatamente silenciou e o mar se cobriu de serenidade. Muito suavemente, Deus os recolheu em seus braços e iniciou a longa travessia que haveria de durar seis meses. O tempo exato capaz de cicatrizar todas as feridas daquelas duas almas...

Quando Ele viu que os dois estavam finalmente prontos para amar novamente, Deus se dedicou à segunda parte do Seu plano: atrair um para o outro. Para isso, Ele soprou no ouvido dele que aceitasse um convite que lhe seria feito àquela noite; em seguida, fez o mesmo com ela. E foi assim que eles se conheceram. Por acaso. Sem saberem ao certo por que estavam ali. E estranhamente não tiraram mais o outro da cabeça. Ele passou a visitá-la todos os dias, ao mesmo tempo em que começava a se desfazer de tudo o que o prendia naquela cidade. Sonhava em recomeçar a vida num lugar distante, sem a companhia de tantas lembranças tristes. Por isso, vendeu tudo o que tinha e se preparou para partir. Antes, porém, foi até a casa dela para dizer-lhe adeus.

Não fosse Deus novamente e tudo teria chegado ao fim, antes mesmo de se ter iniciado. Mas nada, absolutamente nada escapa aos olhos desse Roteirista tão caprichoso. Não fora daquela maneira que Ele tinha concebido a terceira parte daquela história. Por isso, mais do que depressa, Deus soprou novamente no ouvido dele que a convidasse para um jantar de despedida. E Ele nem precisou soprar no ouvido dela para que aceitasse, pois mal ele acabara de lhe fazer o convite e eis que ela já estava pronta, com os olhos brilhando e a alma em festa... Naquela noite, ela não teve mais dúvidas. Mesmo sem conhecê-lo direito, sua alma reconhecia nele o outro pedaço que lhe faltava. Era com ele que ela queria ficar. Mas a certeza dela chegara tarde. Tarde o suficiente para impedir a partida dele no dia seguinte, rumo a uma nova vida.

Mas Deus continuou mexendo os dados daquele estranho jogo, de modo a favorecer aqueles dois. Depois de tanto esforço para aproximar aquelas almas, nada mais justo que dar uma mãozinha para aproximar também aqueles corpos... E assim foi feito. O primeiro reencontro se deu na segunda semana seguinte à despedida. 5 dias apenas. Foi esse o tempo que lhes foi dado para reafirmarem tudo o que sentiam. Duas semanas depois, foi a vez dele lhe fazer uma surpresa. Numa tarde calma de domingo, dessas que parecem ter gosto de saudade, alguém toca a campainha. Era ele. Havia chegado de repente, sem bagagem nenhuma. Trazia no bolso apenas uma aliança e a esperança de que ela aceitasse o seu pedido. E assim, em silêncio e sem testemunhas, os dois ficaram noivos. Cinco horas mais tarde, ele se despede e toma o avião de volta, deixando-a atônita, sem conseguir entender direito o que significava toda aquela reviravolta em sua vida... Mas daquele mágico dois de outubro, ela nunca mais se esqueceu. Nem tampouco daquela alegria imensa que sentia, cada vez que olhava para sua mão...

No dia seguinte, ela foi novamente ao encontro dele e dessa vez o tempo lhes foi mais generoso. Concedeu-lhes 10 dias. E para não perder tempo, ele pediu-a em casamento logo no primeiro dia. Mas só no último foi que ela resolveu perder o medo e aceitar, pois alguma coisa nele lhe fazia acreditar que aquilo iria dar certo. Da terceira vez que ela foi, já levou consigo todas as suas roupas, livros e discos e perdeu grande parte daqueles 4 dias brincando de acomodar suas roupas ao lado das roupas dele. E o resto do tempo levou imaginando como seria quando tudo estivesse acontecendo de verdade...

Cerca de dez dias depois, numa cerimônia simples, sem pompa nem circunstância, eles diziam ‘sim’ um para o outro. ‘Sim’ àquela aventura que completava apenas 3 meses, ‘sim’ à coragem de se unirem, contando, apenas, com 20 dias de convivência, ‘sim’ ao que fazia aquele desconhecido parecer tão seguro e confiante...

E há 30 anos, nós continuamos repetindo esse mesmo ‘sim’. ‘Sim’ às alegrias, aos aborrecimentos, às conquistas, a tantos sonhos desfeitos... Ele não foi o homem que eu escolhi nem tampouco fui eu a escolhida por ele. Fomos ambos escolhidos por Deus, no momento exato em que nos abandonamos em Suas mãos. E estou certa de que nenhuma escolha teria sido mais perfeita nem ninguém no mundo teria me feito mais feliz. Amar não é ter os mesmos gostos nem as mesmas afinidades, mas caminhar juntos na mesma direção, a despeito das nossas próprias diferenças. Não é ter a posse do outro, mas fazer do outro o nosso grande companheiro, seja qual for a estrada.

Sempre gostei de histórias bonitas, mas nunca pensei que um dia eu seria personagem de uma das mais belas histórias que já conheci. Uma história que começou a ser escrita, no momento em que demos a Ele o nosso primeiro ‘sim’... (Lilian Rocha – 13.12.13)


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