top of page

OLHANDO PRO PRÓPRIO UMBIGO...

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 16 de nov. de 2017
  • 4 min de leitura

“Você só pensa no próprio umbigo...” Segundo os entendidos, essa expressão se refere “à capacidade que algumas pessoas têm de olhar apenas para o próprio umbigo”, ou seja, têm um jeito egoísta de ver a vida e acreditam que os seus problemas são sempre maiores que os dos outros. Mas... há controvérsias! Durante anos, olhar pro próprio umbigo, pra mim, significou exatamente isso: “olhar pro próprio umbigo.” Pois quando se tem um umbigo feio, não dá pra olhar pra outra coisa que não seja... o próprio umbigo! E eu olhava pra ele dia e noite! Mas detestava os que tinham essa capacidade insuportável de olhar para o ‘meu’ umbigo, quando deviam, na verdade, olhar para o próprio umbigo! Pois se tinha uma coisa que eu detestava em mim era ele, meu umbigo! Clinicamente falando, eu tinha aquilo que os médicos chamam de ‘micro-hérnia umbilical’. Por isso, meu umbigo não era fundo, como a maioria dos umbigos. Quando eu me deitava, eu empurrava ele e ali ele se deixava ficar, quietinho. Mas quando eu ficava de pé, ele resolvia ‘me acompanhar’ e ficava um pouquinho à mostra, o que me irritava profundamente, porque lugar de umbigo que se preza é enfiado dentro da barriga e não, do lado de fora dela! Na praia, a situação era ainda mais caótica, pois todo mundo naquele tempo já usava biquíni e se usava biquíni, é porque tinha umbigo bonito. E porque todos tinham o umbigo bonito, nem perdiam tempo olhando ‘pro próprio umbigo’, claro! Cabia somente a mim ‘esse jeito egoísta de ver a vida', acreditando que meus problemas eram sempre maiores que os dos outros... Pelo menos ‘alguns milímetros’ maiores, bem que eles eram, sim... Por isso, quando eu chegava à praia, fazia um montinho de areia, com os pés, depois estirava a toalha, de maneira que o montinho de areia servisse de travesseiro para a cabeça, e finalmente tirava a canga e deitava. E enquanto eu estava deitava, eu competia em igualdade de condições com todos os umbigos da praia, pois ele ficava quietinho, no fundo da minha barriga. O problema era quando me chamavam pra tomar banho de mar... Da areia até o mar, eu usava a velha tática: passava o braço direito por cima do umbigo e fingia que estava endireitando o lacinho do biquíni, de modo que ninguém via o meu ‘verdadeiro’ umbigo. Durante anos tive que conviver com esse problema. Sem poder contar pra ninguém, sem poder dividir a minha ‘infelicidade’. Porque tirando o umbigo, o resto até que era bom, eu não tinha do que me queixar. Mas como não se pode tirar o umbigo do resto do corpo, então eu tinha muito do que me queixar, sim. E vivia suspirando, em silêncio, por um umbigo bonito... Um dia, conversando com minha amiga Marlene Calumby, tomei coragem e contei a ela sobre o meu terrível complexo e de como minha vida seria diferente, se eu tivesse um umbigo bonito! Ela me olhou espantada e perguntou: - Por que você não faz uma cirurgia? Calumby opera isso num instante... Arregalei os olhos sem acreditar. Durante anos, pensei que estava condenada a viver prisioneira daquele umbigo ridículo e de repente aparecia uma luz no fim do túnel. Uma luz que se chamava ‘José Calumby Filho’, famoso angiologista e também cirurgião. Mas a maior ‘competência’ de Calumby era ser, justamente, marido da minha amiga Marlene, o que significava a solução imediata de todos os meus problemas, pois se tinha uma coisa que Marlene gostava de fazer – e até hoje - era ajudar os outros... Disposta a transformar minha vida, Marlene falou com o marido e ele prontamente, me pediu pra ir à casa dele, para me explicar, através de slides, todo o procedimento da cirurgia. Catei um bocado de revistas e fui até lá. Depois de me dar uma aula sobre hérnias umbilicais e me convencer de que seria uma cirurgia bastante simples, sentamos para acertar os detalhes. Ou melhor, para ‘escolher o modelo’. Sim, porque havia uma exigência da minha parte: eu queria um 'umbigo de japonesa', ou seja, aquele umbigo vertical, considerado por mim como o umbigo mais charmoso do universo! A maioria das modelos possui esse tipo de umbigo. Ele esperou, pacientemente, que eu escolhesse o modelo que eu queria e depois marcou a cirurgia para a semana seguinte, dizendo que ia caprichar. Soube depois que a cirurgia propriamente dita durou quinze minutos; os 45 minutos seguintes ele gastou, junto com alguns cirurgiões plásticos, na árdua tarefa de transformar meu umbigo numa obra-de-arte, pois não podia me decepcionar! E realmente não me decepcionou. Ganhei um umbigo de japonesa, lindo, que foi inaugurado na praia, juntamente com um biquíni novo. Nunca me senti tão feliz! Calumby tinha mudado a minha vida pra sempre!! Quando fiquei grávida pela primeira vez, confesso que fiquei apavorada com o futuro do meu umbigo, quando vi aquela barriga esticando sem parar, mas ele não saiu do lugar. Nem nessa, nem nas quatro gravidezes que se seguiram. Continuou firme, honrando o nome daquele cirurgião. Mas há algum tempo que deixei de olhar pro meu próprio umbigo. Não porque ele se tornou feio, absolutamente, mas unicamente porque nem consigo enxergá-lo mais, em meio a essa quantidade absurda de centímetros que nasceram ao redor de mim... (Aos meus amigos, Marlene e Calumby) Lilian Rocha – 2012)

Comentarios


RECENT POSTS
SEARCH BY TAGS
ARCHIVE
bottom of page