“DANCING DAYS”
- Lilian Rocha
- 17 de nov. de 2017
- 4 min de leitura
Nunca gostei de salto alto. Sempre foi pra mim um dos piores suplícios do mundo. Primeiro, porque tenho dificuldade de me equilibrar naquelas torres finas e frágeis que parecem que vão rebentar na primeira esquina. E se porventura me equilibro, não consigo passar mais de meia hora em cima daquilo. Os pés começam logo a reclamar daquela posição medonha, totalmente antianatômica, e os joelhos vão ficando confusos, sem saberem a quem devem obedecer...
O resultado é que eu acabo sempre arrancando os sapatos, bem antes da hora prevista, e é ali que eles costumam passar a maior parte da festa, escondidinhos embaixo da mesa, enquanto eu desfilo pelo salão de meias finas, sem o menor resquício de pudor... Finalmente alguém sensato inventou a moda de distribuir sandálias havaianas nos casamentos como souvenir.
A verdade é que há muito tempo desisti de ser chique. Não levo o menor jeito pra isso! Sacrifícios hercúleos em nome da beleza não me atraem nem um pouco! E o pior é que tudo que envolve a ‘beleza’ exige tempo e sacrifício! Tirar sobrancelha, fazer unhas, fazer depilação, maquiagem, cabelo, calçar meias finas, calçar sapato alto e tentar equilibrar, ao mesmo tempo, a bolsa, o pratinho de salgadinhos e a taça de vinho, enquanto cumprimenta centenas de pessoas... É, ser uma mulher elegante é, de fato, uma arte! E dessa arte eu não faço parte...
Durante a adolescência, isso não me incomodava nem um pouco. Minhas roupas preferidas eram vestidinhos compridos que eram acompanhados de uma sandalinha de couro e uma bolsa inseparável, também de couro, chamada “Madalena”. Nunca senti falta de mais nada e como todos os meus amigos também se vestiam assim, eu me sentia sempre ‘na moda’...
Mas como nada dura pra sempre, um dia a vida resolveu me pregar uma peça... Fui achar de me apaixonar por um menino que não era daqui nem pertencia ao meu círculo de amigos. Até aí tudo ia bem. Só fui descobrir a diferença quando ele me convidou para ir ao cinema com ele. Imediatamente, tratei de escolher a minha roupa mais bonita para esperá-lo: uma saia de algodão laranja, que fora tinturada pela minha prima, e uma camiseta branca que realçava todo o meu bronzeado! E pendurada a tiracolo, minha inseparável “Madalena”... No dia seguinte, soube pela prima dele da grande decepção que eu havia lhe causado: “Eu cheguei todo arrumado, de camisa de manga comprida e sapato de bico fino e encontrei ela de sandália arrastando e bolsa de couro!”
Naquele momento, meu mundo caiu! Como é que eu ia conseguir me transformar de repente no que eu nunca fui? Mas não havia tempo a perder... Ele só ia passar mais dois dias na cidade e por isso, eu tinha que agir rapidamente! - Denise, me empreste um sapato alto seu! - pedi à minha irmã. – E uma roupa também. Bem arrumada, de preferência! Ela me olhou espantada, talvez achando que eu tivesse endoidado. Mas logo entendeu que se tratava de alguma doidice amorosa e resolveu colaborar.
E foi assim que por dois dias, esse menino namorou comigo fantasiada de minha irmã. E acho que acreditou que aquela era eu, pois nunca mais falou besteira pra prima dele...
Mas uma vez que a gente embarca numa mentira, fica difícil se livrar dela... Ainda mais que dentro de poucos meses eu estaria indo morar em Brasília, a fim de operar o joelho. E como em terra de gente chique, quem não tem sapato alto nunca vai ser rainha, tive que aprender a ser chique sozinha...
Corria o ano de 78 e a febre de “Dancing Days” começava a tomar conta do país. A novela ditava a moda e todo mundo obedecia. Por isso, abandonei pra sempre meus velhos vestidinhos compridos e minhas sandálias de couro e de olho duro na novela, comecei a imitar o mesmo jeito de vestir e de pentear os cabelos das minhas personagens preferidas. Mas a marca registrada da novela eram as famosas meias de lurex, coloridas, que eram usadas com sandálias de salto alto, que eu logo tratei de comprar.
Só havia um ‘pequeno’ problema: eu estava operada do joelho e proibida de encostar o pé no chão. Para andar, eu contava com a ajuda de duas muletas de madeira, nada elegantes, sobre as quais eu pendurava o corpo e ia levando aquela perna que não andava nem dobrava. De muletas, eu fazia tudo: ia ao banco, ao correio, ao cinema, fazia compras e ainda dava aulas particulares. Durante três longos meses, portanto, fui a aleijada de sapato alto mais chique de Brasília!... E quando voltei pra Aracaju, 'vestida de Dancing Days', nem minha mãe nem minha irmã me reconheceram...
Quase quarenta anos se passaram depois da minha estreia no mundo glamouroso dos saltos altos. E como tudo passa, essa minha súbita simpatia pelos saltos altos também não tardou a desaparecer. Não fosse pela reprise de “Dancing Days”, pelo Canal Viva, talvez eu jamais me lembrasse do enorme sacrifício que fiz um dia para parecer chique...
Mas não se pode contrariar a natureza a vida inteira. De nada adianta saltos altos quando não se sabe andar com eles, pois quem é elegante, consegue sê-lo até mesmo descalça.
Nem por isso deixei de frequentar festas e de usar sapatos altos, quando é necessário. Mas quando o faço, é sempre com o maior sacrifício, sonhando com aquele momento dourado em que poderei deixá-los escondidinhos, debaixo de alguma mesa...
(Lilian Rocha - 05.09.14)

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