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“NÃO RECLAME NÃO, SENÃO ATRASA O SERVIÇO...”

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 17 de nov. de 2017
  • 4 min de leitura

Sou conhecida, entre alguns dos meus ex-alunos, por algumas frases que eu costumava dizer em sala de aula. Claro que não só pela frase em si, mas pela história que eu contava antes, geralmente uma experiência boa ou má pela qual eu tinha passado. A frase do final, portanto, virava um símbolo da lição de vida que eu queria passar pra eles.

Nem sempre essas frases eram de minha autoria, mas mesmo que não fossem, eu dizia de onde tinha aprendido e, a partir de então, eu as “adotava” para usar nas mais variadas situações. Esta, por exemplo, que dá nome a este texto, eu aprendi por acaso, numa dessas novelas das 6, chamada “Éramos seis”, uma versão do livro de Maria José Dupré.

Aliás, diga-se de passagem, esse sempre foi um dos meus livros prediletos. Conta a história de “D. Lola”, uma mulher batalhadora que faz de tudo pela felicidade de seu marido e seus 4 filhos. E como eu adoro histórias tristes, essa tem todos os ingredientes necessários para me fazer chorar, do princípio ao fim. “D. Lola” passa por uma sucessão de dificuldades, de perdas, e muita, muita tristeza. Pouco a pouco, os filhos vão saindo e ela termina completamente sozinha, num asilo, vivendo apenas de lembranças. Além do marido e dos filhos, D. Lola tem duas irmãs, que moram no interior. Uma delas, chamada Clotilde, é solteirona e muito prestativa. Vez por outra, se faz presente na vida da irmã, ajudando-a a criar os filhos ou, simplesmente, servindo-lhe de ouvinte e confidente.

E é exatamente de Clotilde a autoria dessa frase fantástica! A cena se passa na cozinha. Clotilde, que é uma doceira de mão cheia, está à beira do fogão, mexendo um tacho de doce, enquanto ouve os desabafos da irmã. A essa altura, D. Lola já perdeu o marido e um dos filhos e sua única filha está tendo um caso com um homem casado. Ou seja, um problemão para aquela época, já que o livro foi escrito na década de 40. E enquanto ela desabafa, Clotilde mexe o tacho de doce fumegante... Some-se a isso, um calor danado na cozinha e mais um monte de coisa que Clotilde tem que fazer ainda, como qualquer dona de casa pobre e sem ninguém para ajudá-la...

Problema vai, problema vem, de repente Clotilde sai com essa frase maravilhosa: “Não reclame não, senão atrasa o serviço...” A partir desse dia, fiquei fã incondicional de “Clotilde”. Passei a usar a frase dela em milhares de situações, sempre que eu via alguém reclamando da vida...

Certo dia, eu recebi hóspedes em casa. Um casal e duas crianças, uma de 4 e outra de 2 anos. Como nessa época, eu também tinha duas crianças da mesma idade, passamos a ser, então, dois casais e 4 crianças totalmente dependentes, que não sabem fazer nada sozinhas. Até aí nada demais, se não fosse por um pequeno detalhe: eu estava grávida de 7 meses, com uma barriga enorme e estava sem empregada. E como era a primeira vez que eu recebia hóspedes, eu queria ser a melhor de todas as anfitriãs do mundo, claro!

Fiz questão de tirar do armário uma louça mais bonita, de caprichar nas refeições, com pratos decorados, sobremesas variadas e não sei mais o quê... Não aceitava ajuda, pois eles eram os meus hóspedes e hóspedes não trabalham, ora! E entre passeios, refeições, choros, fraldas e mamadeiras, o fim de semana chegou ao fim. Assim que eles foram embora, sentei-me no sofá e olhei em volta. Meu apartamento estava devastado! Todos os cômodos bagunçados, camas desforradas, banheiros molhados e duas crianças com fome, esperando por mim...

Prontamente, me levantei, dei banho nelas, dei comida e levei-as para a cama. Depois que elas dormiram e eu terminei de dar um jeito na casa, entrei na cozinha. Quando olhei para ela, entrei em desespero. Havia uma tonelada de pratos, panelas e copos sujos na pia e eu não sabia nem por onde começar...

Aliás, comecei, sim, pela pior parte. Comecei a reclamar... Minhas costas doíam, minhas pernas tremiam de tão cansadas e eu só queria deitar e dormir. Mas no dia seguinte era segunda-feira, aquele dia maravilhoso que eu tinha que acordar 5 da manhã, fazer o café, aprontar duas crianças para a escola, fazer lancheiras e estar, toda sorridente, às 7h da manhã, na Escola Normal para dar aula...

Tive raiva da vida, raiva de ser mãe, raiva de ser professora, raiva de tudo e de todos... E enquanto eu gritava com as panelas, maldizendo a vida, peguei o frasco de detergente e, num acesso de fúria, atirei-o em direção à pia. Só que eu errei a pontaria. Em vez de ele cair dentro da pia, ele caiu no chão, lascado ao meio, formando uma poça enorme de detergente que quanto mais eu tentava limpar, mais espuma fazia...

Me encostei junto à geladeira, escorreguei até o chão e comecei a chorar. Depois que me acalmei, disse pra mim mesma: “Tá vendo como você é burra, Lilian? Agora, além da cozinha, você também vai ter que limpar esse detergente...” Foi nesse exato momento que eu me lembrei de Clotilde! “Não reclame não, senão atrasa o serviço...” Se eu não tivesse reclamado tanto, já teria acabado.

A partir desse dia, passei a ter mais cuidado com meus acessos de fúria. Só ataco coisas que não se quebram e não fazem espuma...

(Lilian Rocha – 22.11.15)


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