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A CONQUISTA DA ORAÇÃO

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 17 de nov. de 2017
  • 4 min de leitura

Sempre tive pavor de Análise Sintática. Lembro bem quando a professora colocava aquelas frases gigantescas no quadro e mandava a gente procurar o "Sujeito". E depois que a gente o encontrava, ela pegava o giz e fazia um travessão, separando o Sujeito do resto da frase. Depois dizia, satisfeita: "Depois que a gente encontra o Sujeito, o que sobrar é o Predicado!"

Se Análise Sintática fosse só isso, até que não seria mau. Mas os professores sempre queriam mais. Queriam que a gente identificasse o núcleo do sujeito, encontrasse os adjuntos adnominais e, depois, fosse lá pro outro lado do quadro, "dissecar" o Predicado e todos os seus companheiros. Parecia mais uma aula de anatomia do que de português... Confesso que eu só conseguia entender até o objeto direto. O resto nunca consegui compreender!

Mas mesmo só com esse pouquinho de Análise Sintática, eu passei no vestibular, me formei em Pedagogia e virei professora. E a Análise Sintática passou a ser, para mim, apenas uma lembrança remota e desagradável, que não me fazia a menor falta, já que meu público era outro. Um dia, porém, fui convidada pela minha amiga Marlene Calumby para dar aulas de português no Colégio Atheneu, onde ela era diretora. Vibrei diante daquele convite, pois ensinar português sempre fora o meu sonho. E como eu tinha cursado Pedagogia, minhas chances de ensinar português eram quase nulas. Mas ela me conhecia e resolveu investir em mim. Aceitei na hora e só depois quis saber qual seria a série. Quando ela disse "7ª e 8ª" (equivalentes hoje ao 8º e 9º ano), engoli em seco, pois lembrei que nessas séries o assunto era justamente a bendita Análise Sintática! Mas como já tinha aceitado', voltei pra casa num misto de alegria e preocupação, apertando, junto ao peito, os livros que ela havia me emprestado para estudar o assunto.

E agora? Como eu iria ensinar um assunto que nem eu mesma sabia direito? Mas meu entusiasmo de fazer alguma coisa de que eu gostava sempre foi maior do que o medo de fracassar. Por isso, comecei a estudar Análise Sintática, dessa vez com outros olhos, mais experientes e mais interessados. Estudava, ensinava e aprendia junto com meus alunos, graças ao jeito fácil de ensinar de José De Nicola, o autor dos livros que Marlene me emprestara.

Criei tanta intimidade com a análise sintática que um dia eu escrevi uma história toda em versos sobre esse assunto. Os personagens principais eram dois irmãos fazendeiros, chamados "Sujeito" e "Predicado" que herdam do seu pai, o sr.Sintaxe, aquela frase enorme que, na minha imaginação, se transformara, agora, numa 'fazenda'. E bem no meio da fazenda, lá estava ele, o famigerado travessão sem graça da minha professora, agora transformado numa simpática "cerca" que dividia as "duas propriedades". O Sujeito, encrenqueiro, acha que tem mais direito e não quer dividir nada. O Predicado, por sua vez, mais generoso e conciliador, sugere uma aposta: "Quem conseguir transformar essa frase em oração é o verdadeiro dono". O Sujeito pega a enxada e começa a trabalhar, enquanto o Predicado continua parado, observando. E quando o Sujeito diz que vai ganhar a aposta, o Predicado lhe responde, calmamente : - Mas você é burro mesmo, Nem parece meu irmão, Será que você não se lembra? Sem verbo, não tem oração!

E lá estava a primeira regra da análise sintática, a diferença básica entre 'frase e oração'. E assim transcorria a história. Através de 75 estrofes, todas rimadas, todos os termos da oração, agora transformados em "parentes" dos dois irmãos, iam sendo analisados. Alguns ficavam hospedados na casa do Sujeito e outros, na do Predicado, uma forma divertida de explicar que há termos que se relacionam com o nome (sujeito) e outros, com o verbo (predicado).

Fiz os versinhos e guardei, pois não sabia o que fazer com aquilo. Muitos anos depois, já como professora efetiva de português do Colégio Arquidiocesano, desengavetei esses versinhos e criei uma peça de teatro, chamada "A Conquista da Oração”. Depois chamei meus alunos pra encenarem. Foi um sucesso. Em dois dias, eles fizeram 8 apresentações para cerca de 1600 alunos da escola.

Naquele dia, tive a certeza de que eu “devia” isso a todos os alunos dos 8ºs anos: dar um novo "sabor" ao ensino da Análise Sintática, para que eles também se apaixonassem por ela. E foi pensando nisso, que transformei a peça em livro paradidático, para que essa nova metodologia de português pudesse chegar cada vez mais longe.

Algumas semanas antes da publicação, descobri que o escritor José De Nicola estava em Aracaju e, mais do que depressa, fui ao seu encontro. Mostrei meu livro e agradeci, dizendo-lhe que tudo o que eu tinha aprendido de análise sintática eu devia a ele. Em troca, ganhei dele uma das orelhas do livro. Palavras lindas as quais exibo com o maior orgulho!

Depois de publicado, o livro foi adotado por dezenas de escolas de Sergipe, Bahia, Pernambuco, São Paulo, Rio e Santa Catarina. Devagarzinho, eu tenho conseguido que cada vez mais alunos experimentem esse jeito diferente de aprender português.

Agora, mais uma vez, o livro vai se transformar em peça teatral. Dia 9 DE MAIO, no Teatro Atheneu, um elenco de primeira grandeza estará dando vida aos meus personagens, para que essa história bem-humorada conquiste mais e mais pessoas.

E depois disso, eu posso garantir que a Análise Sintática nunca mais terá o mesmo gosto. Pois como dizia Rubem Alves, toda aprendizagem deve ser, antes de tudo, uma experiência "saborosa"...

(Lilian Rocha - 22.04.17)


Foto: primeiro elenco da peça, formado por alunos do Colégio Arquidiocesano - nov / 2002 Klinger, Bárbara, Monize, Letícia, Marcela, Tiale, Igor, Carol,Janisson, Marcelino, Felipe, Germano, Mayse, Mara, Layana, Ito, Ygor, Régis Vinícius,Diego, Marco Aurélio, Julia, Gênesis, Denys, Ricardo


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