A NOVIÇA REBELDE
- Lilian Rocha
- 17 de nov. de 2017
- 4 min de leitura
Há filmes e filmes. Alguns muito bons, que a gente sente vontade de ver de novo; outros que a gente nem consegue terminar, de tão chatos que são. Mas há certos filmes que entram para sempre no rol dos inesquecíveis. São aqueles que a gente assiste “com o coração”...
Eu tinha 9 anos quando vi “A Noviça Rebelde” pela primeira vez. Naquele tempo, Aracaju era bem pequena e os principais cinemas eram apenas 4: o “Pálace”- o único com ar-condicionado - o ‘Rio Branco’, o ‘Vitória’ e o ‘Aracaju’.O meu preferido sempre foi o “Vitória”, não sei por quê. Foi lá onde assisti “Spartacus”, meu primeiro filme de 14 anos.
Como estávamos no tempo em que a censura funcionava mesmo, só nos restavam os filmes de “censura livre” que se resumiam às comédias de Mazaroppi que eu não gostava, aos musicais de Elvis Presley e Rita Pavone que eu adorava ou aos filmes bíblicos, geralmente bem longos, como “Ben-Hur”, com Charlton Heston, outro filme inesquecível.
Foi quando certo dia, minha irmã Suzana voltou de Natal, para onde tinha ido passar as férias, trazendo debaixo do braço uma novidade: um LP de “A Noviça Rebelde”, filme que ela tinha visto nas férias e gostado muito. Foi através dessa versão musical que fui gostando do filme, mesmo sem tê-lo visto ainda. Por isso, quando ele finalmente chegou a Aracaju, ele já me parecia um velho conhecido.
A partir do filme, eu e minha prima Márcia fizemos do disco nossa brincadeira favorita. Afastávamos os móveis da sala e a cada música a gente cantava, dançava e representava a cena do filme. E quanto mais eu ouvia aquelas músicas, mais gravadas em meu coração iam ficando aquelas imagens que eu só tinha visto uma única vez no cinema. Foi um filme que eu vi e ouvi com o coração e filmes assim ficam para sempre gravados em nossa memória afetiva...
O filme contava a história de uma noviça, vivida por Julie Andrews, que nada tinha de freira. Era alegre, vivia cantando e chegando atrasada em todos os compromissos do convento. Um dia, a madre superiora lhe chama para dizer que vai mandá-la para a casa do capitão Von Trapp, um viúvo com 7 filhos, que estava precisando de uma governanta. A princípio, Maria estranha aquela casa cheia de regras e disciplina rígida, mas com seu jeito alegre e sua música, ela vai transformando a vida de todos naquela casa, sobretudo a do capitão que volta a sorrir e a cantar.
Parece uma história simples, mas como dizia “Lisbela” (outro filme que me fez ir ao cinema 3 vezes no mesmo dia!), “a graça não é saber o que acontece, é saber como acontece e quando acontece.”
E tal como Lisbela, também fui me deixando envolver inteiramente por aquele filme. Me apaixonei pelo lindo e sisudo Capitão Von Trapp, sonhei em ter, como ele, sete filhos que corressem pra minha cama sempre que estivessem com medo de trovão...
Sonhei em ser uma mãe igual à Maria, que ensinaria meus filhos a pensar em coisas boas sempre que sentissem medo, e a cantar, sempre que estivessem tristes...
Sonhei em ter um namorado que jogasse pedrinhas na minha janela e dançasse comigo na chuva, por cima dos bancos de um coreto qualquer... Aliás, ao longo da minha infância e adolescência, esta foi uma das minhas brincadeiras preferidas. Bastava eu ver dois bancos numa praça, próximos um do outro, e lá estava eu, pulando de um banco para o outro, tal como no filme...
Também desejei muito conhecer Salzburgo, só para visitar os mesmos cenários que tanto encantaram a minha vida, sobretudo aquelas montanhas. Acho que se isso acontecesse um dia, eu seria até capaz de ouvir a voz de Julie Andrews, entoando por entre aquelas montanhas...
E o tempo foi passando... Não tive 7 filhos, não aprendi a cantar, não tive um namorado carteiro, nem conheci Salzburgo... Mas perdi as contas de quantas vezes vi esse filme cercada pelos meus cinco filhos, de quantas vezes chorei na cena em que o capitão pede a Maria para ficar e de quantas vezes me emocionei, ao ouvir meu pai cantando “Edelweiss”, com a mesma voz aveludada de Christopher Plummer...
Muitos outros filmes chegaram depois desse, mas nenhum deles conseguiu ser tão completo, pois além de ser um filme que pode ser visto por crianças e adultos, este é um dos raros filmes que consegue reunir, ao mesmo tempo, alegria, emoção, suspense, romance, guerra, fotografia, trilha sonora, coreografias e interpretações primorosas.
Na noite do Oscar, ele foi novamente lembrado pelo seu aniversário de 50 anos. E todos aplaudiram de pé, quando Julie Andrews, emocionada, subiu ao palco para agradecer as homenagens. E cá de longe, meus olhos também se encheram de lágrimas, quando ouvi novamente aquelas canções tão queridas...
Rubem Alves dizia que “quando a alma ouve o poema ou escuta a música dos artistas, a beleza que mora na alma se reconhece, e desperta. Acontece, então, o beijo de amor: é a felicidade. Por isso que diante da beleza, choramos de felicidade.”
Foi isso o que aconteceu comigo. Ao ouvir aquelas velhas canções, minha alma logo as reconheceu, porque elas já moravam dentro de mim. E feliz, correu para abraçá-las, cheia de saudade. Ela e eu...
(Lilian Rocha - 26.02.15)
https://www.youtube.com/watch?v=0IagRZBvLtw

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