A PRIMEIRA A GENTE NUNCA ESQUECE...
- Lilian Rocha
- 17 de nov. de 2017
- 4 min de leitura
Isso é fato. Tive muitas primeiras coisas que nunca esqueci. Meu primeiro soutien, por exemplo. Era branco, levemente acolchoado, soutien de “menina-moça”, como se dizia. A primeira vez que usei foi pra ir à escola. Lembro-me perfeitamente da sensação daquelas alças nas minhas costas presas por uma argolinha, que transpareciam sob a blusa branca da minha farda. Era assim, pelas alças, que a gente reconhecia as meninas que já estavam usando soutien. Agora todo mundo ia saber que eu também já estava usando. Me senti uma mulher feita, aos 11 anos de idade!
Também me lembro da primeira vez que raspei as pernas, que pintei as unhas, que usei salto alto. E também do primeiro filme de 14 anos que vi. Naquele tempo, a censura funcionava mesmo. Éramos obrigados a mostrar a carteirinha junto com o ingresso, caso o filme não fosse livre. Mesmo assim consegui ver “Spartacus”, com 12 anos. Estava passando no Cine Vitória e eu fui com minha irmã que já tinha 15. Era um domingo à noite, horário de pouco movimento e, por isso, o porteiro nem pediu minha carteirinha.
À medida que fui crescendo, fui experimentando outras primeiras coisas igualmente inesquecíveis. O primeiro namorado, a primeira viagem sozinha, a primeira carteira de identidade, o primeiro salário, a primeira coisa que comprei à prestação. Foi uma radiola portátil. Comprei em “A Sugestiva”, uma loja que ficava na rua Laranjeiras. Saí de lá radiante, com o meu primeiro “bem” nos braços e o meu primeiro carnê na bolsa...
Também me lembro de algumas primeiras coisas tristes que me marcaram profundamente, como o primeiro morto que vi, a primeira demissão e até a primeira traição amorosa que sofri...
Foi no Iate Clube, num baile de carnaval. Eu tinha 13 anos e por isso, não tinha idade para ir a bailes de carnaval à noite. Só com alvará, emitido pelo Juizado de Menores ou com os pais. Como na última noite ia ter um desfile de fantasias e minha irmã ia, meu pai perguntou se eu também não queria ir. E se ofereceu para nos levar. Fiquei feliz da vida, pois iria fazer uma surpresa para o meu namorado, que achava que eu não ia. Chegamos cedo, às 9 da noite. O salão ainda estava vazio e meu pai escolheu uma mesa atrás, próxima da porta de entrada e bem longe do palco. Uma posição ótima, pois dali eu podia ver todo mundo que entrava. Se bem que eu não estava interessada em “todo mundo”, e sim, numa única pessoa.
O tempo foi passando, o salão se enchendo de gente e nada dele. O carnaval começou e os mais animados correram logo pra dançar. Mas eu continuava triste. Lá pras tantas, resolvi ir lá na frente dar uma espiadinha nas pessoas que estavam dançando. Assim que me aproximei, a primeira pessoa que vi foi justamente ele, dançando com uma menina. E em volta do pescoço dos dois um longo colar de havaiana que fazia com que os dois ficassem ainda mais juntinhos... Fiquei paralisada ali, com os olhos cheios de lágrimas, sem acreditar no que eu estava vendo. Assim que ele me viu, arrancou o colar do pescoço e veio atrás de mim. Mas o encanto já havia se quebrado. E desse meu primeiro baile de carnaval, foi só essa lembrança que me restou. E um pavor a colares de havaiana...
Também nunca vou me esquecer daquelas primeiras coisas que, por serem tão boas, a gente até acha que não é merecedora delas. Foi assim com o primeiro filho que tive, com a primeira peça minha que vi no palco, com o primeiro livro que publiquei, com o primeiro prêmio que recebi e até com o primeiro autógrafo que concedi... Eu escrevia e apresentava o “Programa Palavrear” na TV Aperipê e sempre acreditei que ninguém assistia. Um dia, quando estava saindo do colégio onde trabalhava, ouvi alguém gritando meu nome: “Lilian Rocha! Lilian Rocha!”. Quando me virei, vi uma menina, de uns 12 anos, correndo atrás de mim, esbaforida. Assim que ela me alcançou, perguntou: “Você não é Lilian Rocha, aquela que faz o “Palavrear”?” Sorri e confirmei, achando aquilo a maior graça. Ela, então, me estirou um papel e uma caneta e me pediu um autógrafo. Naquele dia, me senti a pessoa mais famosa do mundo!
Assim é nossa vida. Uma sucessão de primeiras coisas inesquecíveis. Ontem aconteceu mais uma primeira coisa para a minha coleção. Como escrevo e vendo livros, há uns 4 anos senti necessidade de me “formalizar” como microempresária, por causa, principalmente, da questão das notas fiscais. E com isso, ganhei meu primeiro CNPJ e minha primeira inscrição estadual! Me senti a própria empresária! Até então, tudo ia bem e quando eu precisava emitir alguma nota, ia até a SEFAZ e tirava uma nota avulsa. Acontece que agora algumas livrarias começaram a exigir que eu tire a minha própria nota fiscal eletrônica.
E começou a novela. Depois de mil idas e vindas ao SEBRAE e à SEFAZ, finalmente me confirmaram que, para eu tirar uma nota eletrônica, eu precisava adquirir um "certificado digital". Começava, então, a segunda parte da novela. Existem dezenas de modelos de certificados, mas ninguém sabia informar ao certo qual o que eu deveria adquirir. E como eu era a menos informada, fiquei voando mais uma vez. Finalmente comprei meu certificado digital. Agora “era só entrar no site...”, disse-me, sorrindo, a menina que me vendeu.
Confesso que ando apavorada só de ouvir isso. Absolutamente TUDO que começa por essa frase dá errado pra mim. Não há nenhum “site explicativo” que explique com clareza coisíssima nenhuma. Sempre que tento seguir as instruções, termino mais confusa do que quando comecei. Assim foi com o tal programinha da SEFAZ que “ensina” a tirar notas eletrônicas. Não me ensinou nada. Um mês depois, eu continuava do mesmo jeito que antes: sem conseguir tirar minhas próprias notas.
Ontem, peguei meu computador e resolvi pedir socorro a um contador. Ele ficou de pé ao meu lado e com toda a paciência do mundo, foi me ensinando o longo e tortuoso caminho das pedras, buracos e espinhos... Tive que fazer um mapa explicando passo a passo onde tenho que clicar, cadastrar, emitir, visualizar, editar, salvar e não sei mais o quê... Depois de quase uma hora navegando pelo “simplíssimo programa autoexplicativo da SEFAZ", ele imprimiu e me entregou, finalmente, a minha primeira nota fiscal eletrônica... Sim, a primeira nota fiscal eletrônica a gente nunca esquece. Simplesmente porque será impossível lembrar de como se emite outra...
(Lilian Rocha - 16.04.16)

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