A "PRÉ-SESTA"
- Lilian Rocha
- 17 de nov. de 2017
- 3 min de leitura
Minha mãe era a pessoa de sono mais fácil que já conheci. Dormia à toa, com motivo ou sem motivo, e não se aborrecia quando alguém a acordava para atender algum telefonema ou receber uma visita. Pelo contrário, não gostava quando a gente dizia que ela estava dormindo, era sempre pra chamá-la. - Mãe, a senhora estava dormindo, fiquei com pena de acordar. - Que bobagem! Eu acordo e depois durmo de novo.- dizia ela.
E era assim mesmo. Dormir, pra ela, era a melhor coisa do mundo! E alguns sonos dela tinham até nome! Pela manhã, ao acordar, ela comia uns pedacinhos de mamão ainda na cama. Depois, se cobria toda de novo e caía no sono outra vez. Era "o sono do mamão". Depois do café, ela se deitava no sofá da sala pra ler o jornal. Lá pelas 11h, o jornal já estava cobrindo suas pernas e ela mergulhada em sono profundo. Era a "pré-sesta". E depois do sacrifício do almoço - a refeição mais penosa pra ela - vinha a sesta, é claro, uma hora sagrada!
São muitas as lembranças que tenho de minha mãe. E nesse quesito de sono, acho que sempre fui a mais parecida com ela. Durmo com tanta facilidade, que isso às vezes me atrapalha... Quando dava aula às 13h, por exemplo, eu fazia um esforço supremo para não dormir. Andava de um lado para o outro da sala, explicando o assunto, mas não foram poucas as vezes em que era traída pelo sono, misturando um assunto com outro e acabava sendo repreendida pelos meus alunos: - Como é, professora? A senhora estava falando outra coisa... Que vergonha eu sentia! Não me restava outra alternativa do que pedir licença, lavar o rosto no banheiro e voltar mais desperta, inventando uma desculpa qualquer... Afinal, não podia dizer que eu tinha dado uma cochilada... em pé!
Mas sono é traiçoeiro demais. Eu sempre disse que se algum dia eu fosse presa e me deixassem sem dormir até confessar, é claro que eu entregaria todo mundo! Ninguém conte comigo pra guardar segredo. Sono, pra mim, está muito acima do que qualquer ideologia... E quanto mais tentamos resistir a ele, pior fica. A cabeça pesa, os olhos doem, a gente fica irritada, é horrível! Minha mãe dizia: "Quando o sono vem, a gente tem que "matar" ele logo, nem que seja um cochilo de 5 ou 10 minutos..."
E é verdade. Já lutei muito contra o sono, corrigindo provas ou tentando terminar algum trabalho que precisava entregar no outro dia. Quando não conseguia mais, eu dizia pra mim mesma: "Amanhã eu resolvo isso." De madrugada, eu acordava mais desperta e concluía com facilidade o que antes parecia tão penoso. Tive muitas inspirações de madrugada; o desfecho de uma história, uma rima que faltava, um projeto novo, a solução para um problema... E também já presenciei muitos “milagres”, como por exemplo: a data de uma prova ser adiada, justamente da prova que eu estava lutando pra elaborar pra entregar no dia seguinte e não havia conseguido terminar, por causa do sono... Por isso, quando o sono chega, adeus escrúpulos! Largo tudo o que eu estou fazendo e durmo sem culpa, pois sei que depois tudo se resolve.
Hoje, já não acho mais que sono demais atrapalha. Em meio a esse mundo de gente que depende de remédios pra dormir, sinto-me privilegiada por nunca ter precisado deles. Durmo com facilidade, em qualquer lugar e em qualquer circunstância. E tão logo meus olhos se fecham, começo a sonhar. Foi assim hoje, na minha "pré-sesta", mãe. Sonhei com você... <3
(Lilian Rocha – 29.10.17)
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