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ADMITIDA E... DEMITIDA

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 17 de nov. de 2017
  • 5 min de leitura

Uma das coisas mais comuns entre os alunos é justamente a dúvida sobre qual profissão escolher. E isso se dá, principalmente, porque os alunos acham que aquela escolha tem que durar “para sempre”. Ora, se escolher uma profissão, em meio a tantas opções já é uma tarefa difícil, que dirá escolher uma que dure “para sempre”! A responsabilidade é muito maior e por isso, angustia tanto!

Para acalmar os meus alunos, eu costumava dizer: “Primeiro, descarte o que você não gosta; isso já é uma escolha. Em seguida, escolha a que seu coração mais pede, pois é mais fácil a gente vencer fazendo o que gosta, do que fazendo o que não gosta. E por fim, escolha pensando em ‘hoje’ e não em ‘para sempre’, pois ninguém sabe o que vai acontecer amanhã.”

Foi assim que escolhi ser professora. Sem a menor noção do que era ‘ser professora” e do que era preciso fazer para ser professora. Apenas segui o que meu coração pedia, pois queria continuar “brincando de escolinha”. E se possível, para sempre.

E já que eu queria me tornar professora de crianças, eu teria que cursar “Pedagogia”, segundo me explicaram na época, já que eu fazia parte daquela imensa maioria que escolhe a profissão sem conhecer direito o curso...

Foi assim que em 1976, com apenas 17 anos e um monte de sonhos na cabeça, eu entrei na faculdade de Pedagogia, que naquele tempo funcionava na rua de Campos, onde hoje fica o IPES. O campus universitário só viria a ser inaugurado em agosto de 1980, um mês depois da minha formatura.

Na primeira semana de aula, percebi logo de cara que eu estava sobrando ali. A maioria das alunas tinha estudado na Escola Normal e muitas já eram professoras primárias experientes. Estavam ali não para “aprender a ensinar’, como eu, mas apenas para obterem um título superior. Todas as matérias do curso eram, portanto, bem familiares para elas, uma vez que Pedagogia era quase uma continuação do curso pedagógico. Mas eu tinha feito o científico e, portanto, falava outra linguagem. Além disso, não possuía habilidade manual nenhuma, coisa que todas as professoras de infantil têm de sobra! Pra completar, fiquei sabendo que a faculdade exigia (até hoje não sei por quê!) um documento comprovando pelo menos 6 meses de experiência em sala de aula! Ou seja, mais uma desvantagem, em relação às minhas colegas.

Sem outra alternativa, saí à procura de emprego. Depois de bater em várias escolas infantis, finalmente uma me abriu as portas. Chamava-se "Babylândia". Era uma escola pequena, inaugurada há pouco tempo. Fui recebida pela própria diretora que, muito simpática, disse que eu podia começar no dia seguinte.

E no dia seguinte, quarta-feira, lá estava eu, radiante, na porta da sala, esperando meus primeiros alunos! E eles não tardaram a chegar. Primeiro 1, depois outro, depois mais 10, mais 15... Todos pequenininhos, de 2 e 3 anos de idade.

De súbito, o primeiro que chegou correu para o fundo da sala onde havia uma enorme cesta cheia de brinquedos e num piscar de olhos derrubou tudo no chão. Fiquei agoniada, pois não sabia se continuava cantando a musiquinha de boas-vindas, se corria para recolher os brinquedos ou se dava início à primeira atividade.

Resolvi recolher os brinquedos, antes que alguém tropeçasse. Em seguida, sentei as crianças e dei a elas grandes porções de massa de modelar, a fim de que elas ficassem ocupadas por alguns instantes, até eu recobrar o meu raciocínio.

Mas assim que eu consegui aquela façanha de mantê-los concentrados, eis que a sineta toca, chamando para o recreio. Ao ouvirem o toque, saíram todos correndo da sala, em direção ao parquinho. Fiquei desesperada! Não imaginava que o recreio fosse tão cedo, apenas meia hora depois do início das aulas! Mas depois me explicaram, que quanto menores as crianças, mais cedo era o recreio, justamente para evitar o sol forte.

Meia hora depois, ei-los de volta, completamente suados e ainda mais agitados! “Mas tudo bem, agora é a hora da merenda, acho que eles vão ficar calmos”, pensei. Mas qual o quê! Enquanto eu abria o guardanapo na mesa de um e apartava a briga de mais dois, outro já tinha feito xixi nas calças e outro já tinha aberto o berreiro porque o coleguinha acabara de derrubar seu suco no chão... E lá no fundo da sala, estava ele, Breno, me olhando todo feliz, pois acabara de realizar sua atividade preferida: revirar a cesta de brinquedos no chão.

Naquele dia, pensei: “Por que diabo não escolhi Engenharia?”

E entre choros, brigas, gritos, xixi e cocô nas calças, consegui sobreviver até sexta-feira. Mas assim que as crianças foram embora, a diretora me chamou e me disse, delicadamente: - Olhe, professora, infelizmente não vamos poder continuar com você, pois estou vendo que você não tem muita experiência...

Olhei pra ela com os olhos cheios d´água, mas não disse nada. Apenas balancei a cabeça e fui embora. Mas chorei muito quando cheguei em casa. Me senti a mais incompetente de todas as professoras. Mas assim que o choro passou, me senti a mais “aliviada” também. Percebi que a diretora estava certa mesmo. Eu não levava o menor jeito pra ser professora de pré-escolar.

Resolvi, então, procurar emprego no Educandário Brasília, onde eu também tinha estudado. Pelo menos lá os alunos eram maiores... - Só temos vaga pra professora de francês. – disse-me uma das diretoras. Arregalei os olhos e arrisquei: - Não serve de inglês não?

Não, não servia. A vaga de inglês já tinha sido ocupada, só restava aquela. Olhei prum lado, olhei pro outro, lembrei dos 6 meses de experiência que eu tinha que comprovar e imediatamente respondi: “Tudo bem, eu aceito!” Foi assim que comecei minha longa carreira. Como professora de francês... sem saber francês!

E o tempo passou. Consegui outros empregos, outras escolas, outros alunos. Mas nunca esqueci aquela minha primeira escolinha. Vi como ela cresceu e como se tornou uma das mais respeitáveis da cidade.

Quase 35 anos depois, tive a honra de entrar lá outra vez. Um dos meus livros havia sido adotado e eu estava sendo convidada para conversar com as crianças sobre o livro.

Confesso que foi uma emoção tornar a abraçar aquela diretora, cuja sinceridade me impulsionou a seguir em frente, a não desistir nunca.

Há poucos dias, fomos surpreendidos com a notícia da morte dessa diretora. Foi uma morte súbita, assim como são súbitos todos os momentos de nossa vida que a gente insiste em querer que durem para sempre. Assim que soube da notícia, também tive um gesto súbito: revirei no chão minha cesta de lembranças e deixei que elas mesmas me contassem essa história...

(À memória de Tânia Cabral, diretora do "Babylândia", que se foi no dia 2 de março. Com ela, foi-se também um parágrafo da minha história...)

(Lilian Rocha - 08.03.15)


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