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ARQUI-AMIGOS-SEMPRE

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 17 de nov. de 2017
  • 5 min de leitura

Não há dúvidas de que a comemoração dos 100 anos de D. Helena mexeu com todo mundo. Em primeiro lugar, pelo ineditismo da situação. É muito raro ver alguém chegar aos 100 anos e principalmente, andando, conversando e interagindo com todos, como ela fez. Foi muito bom poder abraçá-la e dizer o que ela representou na vida de tanta gente. Em segundo lugar, porque essa data acabou provocando um grande e delicioso reencontro.

De repente, estávamos juntos outra vez, trocando lembranças da infância e experimentando o sabor das saudades de cada um... Foi como se, de repente, o tempo houvesse parado e zerado todas as nossas diferenças. De braços cruzados, ele nos fez crianças outra vez e, comovido, assistiu aos abraços que tantas vezes deixamos de dar...

Há um não sei quê de misterioso nesses encontros de ex-colegas que acabam nos desarrumando por dentro. Ninguém que vai a um desses reencontros volta do mesmo jeito. É como se ali a gente tornasse a se encontrar com o menino que fomos um dia e tivéssemos a chance de reler a nossa história. E relendo, nos deparássemos com alguns parágrafos que não ficaram bem escritos... Que bom seria se pudéssemos apagá-los...! E eis que, de repente, surge a "borracha”, sob a forma de um abraço inesperado... Em outro pedaço da história, encontramos frases inteiras, escritas a lápis, com aquela letra insegura de criança que nem imaginava que aquilo, um dia, teria algum valor. E nos surpreendemos procurando “uma caneta”, para "passarmos a limpo" todo aquele parágrafo... E de repente surge “a caneta”, sob a forma de um olhar silencioso de um amigo muito querido daquele tempo que, ao contrário de tantos, não deixou que o tempo apagasse a nossa amizade...

Enfim, se um dia pudéssemos voltar no tempo, certamente cuidaríamos mais dos amigos que fizemos e teríamos mais paciência com os nossos inimigos. Seríamos, talvez, menos adultos e mais adolescentes. Foi pensando nisso que o Pe. Carvalho, o então diretor do Colégio Arquidiocesano, vendo seus alunos crescerem e partirem, pôs-se a tecer um sonho onde coubessem todos e onde a ação do tempo não se fizesse presente. Um sonho chamado “Associação dos Ex-Alunos do Arqui”. E assim que ingressei no Arqui como professora, ele me incumbiu dessa missão, quase impossível.

Mas apesar de eu ter estudado ali por 7 anos, eu estava afastada de lá há 19 anos, e não tinha a menor noção de como criar uma associação, muito menos de quem convidar. Foi aí que tive uma ideia: "Vou tentar encontrar minha turma!" Afinal, fazia exatamente 20 anos que tínhamos estudado juntos. Era realmente uma boa data pra se comemorar! Mas por mais que eu tentasse, eu não conseguia me lembrar do nome completo dos meus colegas. Como reencontrar aquelas pessoas, se nem o nome completo delas eu sabia? Corri então para a secretaria, em busca do livro de matrícula e, pacientemente, comecei a folhear aquelas páginas enormes e amareladas, escritas a mão pela então secretária do colégio, D. Mariá Leite. Resolvi começar pelo ano de 75, nosso último ano, e um a um, fui anotando os nomes dos alunos e fazendo o meu arquivo pessoal. Mas logo percebi que muitos dos colegas de que eu me lembrava não estavam naquela lista, pois tinham saído no 2º ano para estudar no “GCM", o colégio da moda... Não, não era justo deixar de fora tantos colegas queridos, só porque tinham saído antes. Resolvi, então, abranger também os de 74, 73 e até alguns de 72 e 71. À medida que eu ia lendo os seus nomes, as fisionomias iam aparecendo aos pouquinhos, me enchendo de saudade o coração... Mas onde estariam vivendo aqueles ex-alunos, onde será que trabalhavam? Eles haviam partido, sem deixar rastros. Mas eu haveria de encontrá-los! Peguei o catálogo de telefones e fui procurando, sobrenome por sobrenome, o endereço e o telefone de cada um. Percebi que isso podia dar certo com os homens, mas não com as mulheres que deviam estar casadas e usando o sobrenome do marido. Mas como eu ia saber disso?

Não sei quantos dias eu perdi, pendurada no telefone, fazendo aquele trabalho de formiga e ouvindo, repetidamente: "não, é engano", "ele acabou de sair", "ele não pode atender agora", "quer deixar algum recado?" Mas a vontade de reencontrá-los superava todo o meu desânimo.

Quando finalmente eu conseguia encontrar alguém, a conversa era sempre a mesma: “Que coisa boa achar você! Lembra de mim? Sabe quanto tempo tem que você saiu do Arqui?”... E por aí ia a conversa, provocando uma grande emoção, de ambos os lados. Em seguida, eu lia a enorme lista de nomes, pra ver se ele se lembrava de alguém e me dava alguma pista. Mas a maioria das pistas não me levava a lugar nenhum: "Sim, eu lembro. Ele morava numa rua que ficava perto do colégio, numa casa branca..."

Mas com muita paciência e perseverança consegui reunir mais de 50 ex-colegas. E juntos, 20 anos depois, no mesmo cenário onde nos conhecemos, senti, pela primeira vez, que só a saudade faz voltar o tempo, nos trazendo de volta a idade que desejamos ter. Naquela noite, esquecemos o adulto sisudo e preocupado em que nos tornamos e escolhemos ter 15 anos outra vez. Relembramos casos engraçados, zombamos da barriga que uns adquiriram, dos cabelos que outros perderam, dos óculos que agora éramos obrigados a usar... Foi uma noite mágica...

Em 1997, finalmente, a Associação dos Ex-alunos foi oficialmente criada e ganhou uma marca muito especial: um triângulo feito de setas, onde se podia ler, em cada um dos seus lados, as 3 palavras que haveriam de batizar a nossa associação: “Arqui Amigos Sempre”. As setas davam a ideia de movimento contínuo, de modo que, de qualquer posição em que lêssemos as palavras, o sentido era sempre o mesmo: ‘Arqui-amigos-sempre”, “amigos-sempre-arqui”, “sempre-arqui-amigos”... Exatamente como queríamos ser uns para os outros: para sempre amigos. No centro do triângulo, uma chama, como a nos lembrar que cabia a nós a responsabilidade de manter acesa aquela amizade que estava renascendo...

Depois de criada, coube a mim guardar a “chave” daquela Associação. E uma vez por ano, eu me dedicava, praticamente sozinha, àquela tarefa de trazer de volta ao colégio os alunos de 20 ou 30 anos atrás, a fim de homenageá-los com o "Troféu Sempre Amigo”. Embora árdua a missão, a emoção que eu fazia despertar neles me animava a prosseguir. Foram dezenas de ex-alunos homenageados com o troféu “Sempre amigo”, dezenas de ex-alunos que experimentaram a mesma emoção que eu havia sentido um dia, quando consegui reunir minha turma.

Foram tantas e tantas vezes que brinquei com o tempo e com a emoção das pessoas, que já me julgava acostumada. Mas não somos senhores do tempo. Há realmente um não sei quê de misterioso nesses reencontros, que acabam nos desarrumando por dentro. Há sempre um parágrafo na nossa história ansiando por ser reescrito, há abraços que foram evitados que ainda desejam ser dados, há palavras silenciadas que precisam ser pronunciadas...

Como é bom ter a chance de voltar no tempo e reescrever a nossa história. Libertar alguns equívocos que ficaram presos entre parênteses, retirar os acentos de algumas palavras, a fim de dar-lhes um tom mais suave e, sobretudo, substituir alguns pontos finais por pontos de continuação... Transformar a nossa vida num movimento contínuo, de modo que os amigos feitos em um dado momento possam continuar existindo em todos os demais momentos de nossa vida. Porque é só isso que deseja um grande amigo: permanecer vivo dentro da lembrança do outro. E, se possível, para sempre.

(Lilian Rocha - 2.8.16)


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