CUMPRINDO PENA
- Lilian Rocha
- 17 de nov. de 2017
- 3 min de leitura
Há cerca de três semanas, desde que saiu o resultado do meu julgamento – “discreta tendinopatia do tendão supra-espinhal do ombro direito”, fui condenada a 10 sessões de fisioterapia em ‘regime semiaberto’.
De acordo com a legislação em vigor, todo apenado deve ser avaliado, inicialmente, por um fisioterapeuta e só depois dessa parte burocrática é que o preso é encaminhado para o semiaberto. No regime semiaberto, a disciplina é mais branda. Isso quer dizer que nós, presos, podemos ficar numa cela coletiva e transitar pelas instalações. Mas convém lembrar que, embora seja um sistema mais leve, ele também nos impõe uma série de restrições.
A lei exige, por exemplo, que cheguemos bem antes das 7h para pegarmos uma senha, se quisermos ser atendidos a partir das 8h. Para essa longa espera, é aconselhável levar uma revistinha de sudoku, de preferência de um nível bem difícil, para que o lento passar das horas não nos venha a causar graves danos psicológicos... Depois de uma hora e meia, aproximadamente, somos chamados ao balcão, onde devemos dizer, pela milésima vez, o nosso nome, a fim de que o Plano de Saúde a que somos conveniados possa liberar uma autorização para aquela sessão. Convém lembrar que essa autorização só é válida para um dia, portanto, a depender do número de sessões programadas, seremos obrigados a esperar dezenas de outros pedidos de autorização. Nesse caso, vale a pena investir em mais revistinhas de sudoku...
E enquanto isso, até que chegue a nossa vez, assistimos à chegada de mais condenados que trazem no rosto a mesma expressão de dor e inquietação: ‘Quando seremos livres outra vez?’ Sinto um desejo quase incontrolável de responder: “Nunca! Pois uma vez ‘fichados’ em aparelhos de raios X, ultrassom ou ressonância magnética, nossos ossos, músculos e cartilagens nunca mais serão os mesmos, nunca mais haverão de recuperar os movimentos que tinham antes do ‘flagrante delito’. Nossa vida estará desgraçada para sempre...”
Finalmente alguém chama o meu nome e me desperta dos meus devaneios. Sou encaminhada para uma cela coletiva, enorme, semelhante a um ginásio, onde se podem ver dezenas de apenados, uns deitados em colchões plásticos, outros sentados, outros em pé. E outros chegando... E apenas três ‘carcereiras’ para atender.
Os ‘castigos’ são os mais variados. Um dos preferidos pelas carcereiras é o aparelho de ultrassom terapêutico que produz ondas ultrassônicas que, ao penetrarem no tecido do membro afetado, provocam uma vibração a nível celular, como uma espécie de micromassagem. Mas, a depender do delito, os presos também são submetidos a bolsas de gelo, aparelhos de infravermelho, bicicletas ergométricas, barras, bola plástica no meio das pernas, e pesos, muitos pesos, que são anexados aos exercícios de suspender, abaixar, abrir, fechar... Justamente como forma de pagar por todos os pecados...
Enquanto cumpro ‘minha pena’ de exercícios, fico ouvindo, distraída, os lamentos de algumas detentas. Uma se queixa do ombro, outra reclama do esporão, outra do joelho inchado que não a deixa fazer nada. E todas suspiram juntas pela juventude que se foi e sonham, inutilmente, com o dia em que se verão livres daquilo ali...
Nos feriados e fins-de-semana, os presos são liberados para ficar todo o tempo com a família. Mas é claro que eles têm que andar na linha! Não podem se envolver em nenhum esporte ou conflito que os obrigue a correr, por exemplo; caso contrário, a duração da pena pode ser triplicada.
Esse fim-de-semana me concederam um ‘indulto de Semana Santa’, por bom comportamento. Quase uma semana livre de eletrodos e pesos de ferro. Voltei hoje ao presídio, levando de volta meu ombro rebelde e mais um joelho inchado e dolorido. Indignada, minha carcereira me submeteu a um frio interrogatório, negou o meu pedido de habeas corpus, alegando ‘risco à minha integridade física’, e me condenou a mais 10 sessões de fisioterapia, dessa vez em regime fechado.
Não sei o que foi mais dolorido hoje. Se as ondas ultrassônicas que hoje estavam numa velocidade muito maior do que de costume ou se à sessão de tortura, liderada por um tal de ‘Wesley Safadão’, a que todos nós fomos obrigados a assistir em DVD, por mais de uma hora dentro daquela cela... Por favor, me tirem dali! Eu juro que sou inocente!!!...
(Lilian Rocha – 23.04.14)
(PS: Quero deixar bem claro que esse texto é apenas uma brincadeira com a atual situação em que me encontro e não tem nada a ver com o profundo respeito que sinto pela Fisioterapia e pelos resultados quase milagrosos que ela é capaz de nos proporcionar!)

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