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DE VERDE E AMARELO

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 17 de nov. de 2017
  • 4 min de leitura

Nunca gostei de futebol. Primeiro porque não entendo, segundo, porque nunca quis entender. Talvez porque minhas experiências com o futebol nunca foram boas...

Quando criança, lembro dos almoços na casa de tio Afrânio, acompanhados de perto por um rádio, invariavelmente ligado na Excelsior da Bahia. Comíamos em silêncio, para que meu tio pudesse ouvir os comentários de futebol de França Teixeira. Depois as tardes de domingo na casa de meu avô, com um rádio sempre ligado no futebol. Só depois que o jogo acabava é que ele desligava o rádio e ligava a TV. Cresci com um verdadeiro trauma de futebol pelo rádio...

Nem mesmo as Copas do Mundo me despertavam o interesse. Delas, minhas lembranças são as mais absurdas possíveis... Das 4 primeiras - depois que nasci -, a única referência que eu tenho é dos meus primos Márcia, Afrânio, Kleyton e Cristiane. Todos eles nasceram em anos de Copa do Mundo e todos eles foram ‘campeões’, com exceção de Kleyton, que nasceu em 66...

Da Copa de 70, guardo duas fortes lembranças. A primeira é do jogo Brasil e Tchecoslováquia. Foi no dia 3 de junho e o Brasil ganhou de 4x1. É o único jogo que me lembro. Guardei a data só porque foi no dia do meu aniversário de 12 anos. Enquanto todos vibravam com o 4º gol do Brasil, eu abria um envelope-presente de meu avô. Ali estavam Cr$100,00! Me senti tão rica! Aquilo foi bem melhor do que todos os gols do Brasil... A outra lembrança que tenho dessa Copa é do dia 21 de junho. Mas não porque foi a final de Brasil e Itália, nem muito menos porque o Brasil se tornou tricampeão. Apenas porque foi o dia em que minha prima Cristiane escolheu para nascer. E eu não conseguia entender porque meu tio estava tão nervoso diante da TV, quando o mais importante já tinha acontecido...

Em 74, alguém me levou ao Iate pra ver um jogo pela TV. Mas tinha tanta gente que eu não vi nada e achei tudo uma chatice...

Em 78, eu estava em Brasília, operada do joelho. A minha única lembrança é que a TV ficava trancada num armário e só era liberada nos fins-de-semana, para que as crianças não tirassem o foco dos estudos. Se teve Copa do Mundo eu nem soube...

Em 82, também passei em Brasília, numa casa onde todo mundo torcia contra o Brasil. Também torci, nem sei por quê. E nem sei quem ganhou...

Da Copa de 86, só lembro que minha filha Júlia tinha 3 meses e eu coloquei uma fitinha verde e amarela na cabecinha sem cabelo dela. E que ela era um bebê lindo, com fitinha ou sem fitinha...

Da Copa de 90, eu confesso que nem me lembro. Tinha 3 filhos pequenos e estava grávida do 4º. Nem tinha tempo pra me lembrar se era Copa do Mundo...

Em 94, assistimos na casa de minha mãe. Lembro que o expediente do trabalho terminava mais cedo e que eu ficava feliz por isso. E que achei ridículo o Brasil ganhar nos pênaltis...

Na Copa de 98, fomos pela primeira vez ao sul do Brasil e levamos Felipe. Viagem maravilhosa, muitos lugares lindos nunca vistos. A única referência de Copa que eu tinha era o humor de Felipe, que variava de acordo com o bom ou mau desempenho do Brasil. Num shopping de Curitiba, vimos centenas de laranjas sendo distribuídas a todos e um único comando: “Vamos espremer a laranja”. Foi assim que eu descobri que o Brasil ia jogar naquele momento contra a Holanda... O Brasil perdeu a final para a França e só me lembro disso, porque Felipe ficou tão triste que quase desiste de ir conosco até Paranaguá, de trem, um dos passeios mais bonitos da nossa viagem. Sem pensar duas vezes, arranquei ele do quarto e disse que a vida continuava, com Copa ou sem Copa e que não era justo ele estragar a viagem dele por causa do Brasil...

Em 2002 lembro que foi a “Copa do Pijama”. Os jogos eram de madrugada e a gente saía para a casa de meu irmão com o carro cheio de crianças sonolentas... Na final, estávamos em Salgado, num dos nossos inesquecíveis encontros de família que eu ajudava a organizar. Cabia a mim a escolha do tema, os versinhos de abertura e a programação do evento. Por ser ano de Copa, o tema escolhido foi o futebol. Mandei fazer camisas amarelas para toda a família, personalizadas, com o nome de cada integrante e o respectivo número que ocupava na família, de acordo com a idade. Graças a Deus, o Brasil ganhou e não estragou a nossa festa nem a nossa alegria...

Em 2006, minhas atenções estavam voltadas unicamente para meu irmão que tinha descoberto um câncer na laringe... Nem sei quem ganhou a Copa...

Em 2010, a Copa nos reuniu na casa de minha mãe. Não lembro em que momento o Brasil saiu do jogo, mas lembro que a Holanda me chamou a atenção. E eu lamentei por ela ter perdido da Espanha...

E veio 2014, trazendo a Copa novamente para o Brasil, depois de 64 anos. Acompanhei, apreensiva, as violentas manifestações contra a Copa e cancelei todos os meus possíveis desejos de viajar nessa época, pois achava que ia ter muita violência e confusão Brasil afora... Mas pela primeira vez na minha vida, prestei atenção a uma Copa do Mundo. Vi o Brasil todo se enfeitar de verde e amarelo para receber os milhares de visitantes estrangeiros, decorei as dezenas de jingles que foram criados, acompanhei atentamente as reportagens e entrevistas e fui me familiarizando com nomes como Thiago Silva, Oscar, David Luiz, antes tão estranhos para mim...

Sem que eu percebesse, fui me contagiando inteiramente com o clima de alegria e acabei me vestindo também de verde e amarelo. Não só por fora, mas principalmente por dentro. Pela primeira vez, torci, gritei, vibrei e sofri por ele.

Mas daqui a 4 anos, a única lembrança que quero ter dessa Copa é de Cecília, que estava linda de verde e amarelo até na chupeta... O resto? O resto é bobagem...

(Lilian Rocha - 09.07.14)


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