DIA DOS NAMORADOS
- Lilian Rocha
- 17 de nov. de 2017
- 3 min de leitura
Eles namoraram por carta, durante quase 4 anos, e como todos os namorados apaixonados, também trocaram juras de amor, prometendo um ao outro que aquilo nunca haveria de se acabar, apesar da enorme distância que os separava... Vendo que aquilo era bom, Deus os abençoou e permitiu que eles vivessem juntos e felizes por 66 anos e meio. Sou um dos frutos dessa linda história e testemunha viva de que esse amor continua mais vivo do que nunca, apesar da enorme distância que os separa hoje... Feliz Dia dos Namorados a todos que, como eu, também se dispuseram a viver um amor assim. <3 -------------------------------------------------------------------------------- Rio, 27 de abril de 1949
Minha querida Mara,
Depois de 13 dias em Aracaju, meu irmão Alfredo voltou ontem para o Rio, trazendo-nos algumas novidades da sua terra. Disse-me que o Cinema Rio Branco continua no mesmo lugar e que o carro de propaganda do Guarani cometeu o terrível engano de tocar um bolero na Sexta-feira da Paixão. Todos ficaram seriamente indignados com o caso e ainda não se sabe de que maneira o acusado defendeu-se. Há muitos dias que a energia elétrica é quase nula naquela metrópole, a não ser nas ruas mais aristocratas; estas, cujos moradores têm o privilégio de ouvir rádio, das 19 às 21 horas, todas as quintas e domingos, estão relativamente bem servidas. Em tal situação, que dizer do nosso saudoso bonde circular? Se quando havia energia, raras vezes ele acertava o seu trajeto, agora ele está positivamente desmoralizado. A velha estação prossegue no seu lema de não querer nada com o progresso. Para ser mais coerente consigo própria, mandou trocar as lâmpadas de 20 velas por 10 apenas; sim, pois se elas não acendem mesmo... O padrão ouro da cidade continua firme no seu cartaz, alheio à lei da oferta e da procura: o aipim. Gigantescas montanhas desse produto erguem-se majestosamente ao longo de todo o mercado, ameaçando ridicularizar com a sua imponência o mais suntuoso edifício da cidade-menina: o Palácio Serigy . O bar Record, em pleno Ponto Chic, não abandona a reputação de abrigo-mor dos parasitas da terra de Tobias Barreto. Lá, ainda é o ponto preferido para as discussões da próxima rodada do Sergipe-Cotinguiba. Orgulhosamente, o seu proprietário anuncia aos fregueses que dentro de alguns anos terá Coca-cola em suas prateleiras; mas os aposentados preferem buscar coragem na aguardente nacional, para dizerem o que pensam do governador do estado...
Apesar de tudo, eu guardo agradáveis recordações desta cidadezinha querida, por ter sido o ponto inicial do namoro que ainda hoje dura. Senti saudades enquanto Alfredo falava, imaginando-me ao seu lado, a caminho de qualquer cinema, a fim de assistir a um filme que já tinha visto. Até já estávamos decorando as passagens do ‘Coração de Leão’ , lembra-se? Mesmo sendo tão quente o cinema Guarani, eu não me sentia pior do que hoje, quando vou ao Metro Passeio, com todo o seu ar refrigerado. Pelo menos havia uma mãozinha gentil que não deixava parar o leque. Depois da sessão, o passeio de regresso para a casa de sua tia, com todos os olhares dirigidos ao seu sapatinho que Aracaju ainda não havia recebido. Quando chegávamos, não faltava um excelente doce de caju, que às vezes eu ganhava na boca. E se ninguém nos acompanhava, era mais agradável o trajeto que percorríamos sozinhos de braços dados, indiferentes às opiniões dos seus conterrâneos... Diga-me, não era maravilhoso, meu bem? Que significação tinham os extratos de contas do Banco e os processos da Repartição? E naquela noite em que eu fingi que regressaria ao Rio no dia seguinte? Você ficou tão quietinha! Não creio que me habituasse novamente a outra pequena, pois nenhuma delas tem o jeitinho especial da minha bobinha. Não se preocupe, isto não pode nem deve acabar nunca mais. Além disso, você é tão bonitinha, Mara! Recomendações aos seus e um saudoso beijo do seu Petrônio ---------------------------------------------------------------------- Salvador, 2 de maio de 1949
Queridinho,
Sabe que você precisa de um castigo muito grande, por ter anarquizado assim com a minha terra? Veja que desaforo, escrever uma página toda, somente desfazendo de Aracaju! Isto tem cabimento, querido? Estou brincando, Petrônio, pois reconheço que tudo o que disse é verdade. Eu ri a valer. Foi gozadíssimo. (...) Aqueles 13 dias em Aracaju foram infernais, maravilhosos e tudo que você quiser mais. Naqueles dias, eu não pensei nem em minha família, quanto mais em processos e coisas dessa espécie. Era você somente, querido. Abraça-o com muita saudade a sua, Mara

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