DUAS IMAGENS DA INFÂNCIA
- Lilian Rocha
- 17 de nov. de 2017
- 3 min de leitura
E como a onda é recordar, hoje me vieram à lembrança duas imagens da infância muito marcantes: uma foi de um chuveiro que havia na casa de minha avó, mais precisamente no banheiro dos fundos, depois da cozinha.
Nessas casas antigas, banheiro era quase um aparato desprezível. Normalmente era construído fora da casa, pois não havia rede de esgoto e, sem descarga, seria impossível aquilo dentro de casa. Graças a Deus não peguei esse tempo! Mas ainda alcancei um modelo de casa bem tradicional, com a sala de visitas na frente, os quartos enfileirados ao lado do corredor, depois a sala de estar, seguida da copa, cozinha e quintal. Era assim a casa de minha avó, que ficava na rua São Cristóvão, onde hoje é uma loja de móveis para escritório.
O banheiro ‘social’ ficava escondido, entre a copa e a cozinha, e, portanto, bem longe dos quartos. Nele tinha uma banheira branca de louça, enorme, que era o sonho de qualquer criança, embora nunca tenha tomado banho ali. Usávamos o chuveiro normal, enquanto ficávamos cheirando o sabonete Phebo de meu avô, um sabonete preto e grande que deixava o banheiro todo com esse cheiro...
Mas o melhor banheiro era o de fora, que ficava logo depois da cozinha. Era pequeno e nem se comparava ao outro em conforto. Em compensação, ali tinha o melhor chuveiro do mundo! Era bem alto e, em vez de torneira, tinha uma pequena alavanca de ferro com uma correntinha pendurada de cada lado. Pra abrir o chuveiro, portanto, a gente tinha que pular bastante até alcançar a correntinha e puxá-la pra baixo. Esse movimento acionava a alavanca e, como num passe de mágica, eis que caía um jato bem forte de água fria, bem melhor do que todas as duchas que já experimentei depois. Para fechar, novos pulos até alcançar a correntinha do outro lado. Um esforço danado pra tomar banho, mas valia a pena, pois a brincadeira estava justamente em alcançar a correntinha...
A outra lembrança vem dos quartos da casa de meu avô, na Capela. A casa ficava situada na praça da Matriz e como todas as casas antigas, tinha o pé direito bem alto. Era do mesmo modelo que a casa do meu avô de Aracaju, com uma saleta na frente e os quartos enfileirados ao lado do corredor, escuro e comprido. Como a casa não era de laje, eu adorava ficar deitada, vendo as telhas lá no alto. Às vezes, um raio de sol teimoso entrava por entre as telhas e iluminava o quarto todo.
Mas o mais gostoso desse quarto era um estranho interruptor preso a um fio enorme que vinha lá da lâmpada e ficava pendurado no meio da cama, bem ao alcance de nossas mãos. Coisa de gênio!! Assim, ninguém precisava se levantar pra apagar a luz, cujo interruptor, normalmente, ficava do lado de fora do quarto! Portanto, este interruptor comprido, pra mim, se constituía a 8ª maravilha do mundo! E ele também valia outra brincadeira muito divertida, embora proibida! A gente segurava o interruptor e ia girando o fio ao redor da lâmpada, tal qual um speedball...
Quando compramos nossa casa de praia e vi que o pé direito de lá também era bastante alto, fiz questão de instalar um interruptor desses bem em cima de minha cama, também antiga. E durante alguns anos, pude proporcionar aos meus filhos uma das minhas brincadeiras de infância. Mas um chuveiro daquele, nunca mais eu encontrei... Duas lembranças que hoje se prendem a uma velha correntinha, chamada saudade...
(Lilian Rocha - 03.3.16)

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