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"EU QUERO VER ONDE ESSA ZORRA VAI PARAR..."

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 17 de nov. de 2017
  • 4 min de leitura

Se tem uma coisa que eu adoro é coisa velha. E isso inclui quase tudo, principalmente, músicas, filmes, novelas, programas. Com o advento da internet, por exemplo, já pude reencontrar muitas músicas antigas, consideradas verdadeiras trilhas sonoras da minha vida. E como se não bastasse isso, a Globo criou o "Canal Viva", que me dá acesso a verdadeiras relíquias. Posso rever, por exemplo, novelas antigas, de 20 ou 30 anos atrás, e relembrar muitas coisas, como a decoração das casas, a moda daquele tempo, as gírias, os costumes, enfim, é uma verdadeira viagem a um passado que eu vivi e nunca esqueci. Uma ótima opção, portanto, para fugir de toda essa realidade horrorosa que estamos vivendo. Como não tenho mais esperança nenhuma nesse país e nem tampouco posso ir morar em outro lugar, eu fujo de outra maneira. E minha saúde agradece...

Pois bem, estava eu aqui hoje, tranquilamente, trabalhando na revisão de um livro e ouvindo os "últimos sucessos" do "Globo de Ouro", um programa musical que eu adorava, quando, de repente, entra Simone cantando uma música chamada "Disputa de Poder". A letra me chamou tanto a atenção, que parei tudo o que estava fazendo, só pra pesquisar mais sobre a época em que ela foi escrita.

Descobri que ela foi gravada em 1988 e foi o grande sucesso do carnaval de 1989. Nessa época, o presidente do Brasil era José Sarney, que assumiu o poder, quando Tancredo Neves morreu. Lembrei da enorme comoção que tomou conta do país, quando a morte de Tancredo Neves foi anunciada pelo repórter Antônio Brito, na época, o porta-voz da presidência. Lembrei da enorme frustração que sentimos quando Sarney assumiu, pois Tancredo representava a volta da democracia e, com ela, uma enorme "esperança de mudança". Talvez ele se tornasse um ótimo presidente, talvez não conseguisse mudar nada. Nunca haveremos de saber, ao certo, pois ele morreu antes mesmo de tomar posse.

E, completamente impotentes, guardamos a esperança dentro do peito e começamos a viver o nefasto governo de José Sarney. Com ele, assistimos à implantação e o fracasso do "Plano Cruzado", que deu origem a uma nova moeda (o cruzado), cujo objetivo era acabar com a inflação que devastava a economia; com ele, vimos nascer e também morrer o "Plano Verão"; com ele, vimos inúmeros gêneros de primeira necessidade, tais como carne e leite, desaparecerem das prateleiras do supermercado; com ele, vimos voltar a inflação, ainda mais faminta e feroz; com ele, vimos ser promulgada uma nova Constituição Brasileira, que prometia ser a mais democrática de todos os tempos, pois previa eleições diretas em dois turnos para presidente, prefeitos e governadores, a independência dos três poderes, a restrição das forças armadas, o voto de analfabetos e maiores de 16 anos, dentre outros direitos e garantias do cidadão...

Foi exatamente nessa época, em 1988, que essa música foi escrita pelos sambistas, Almir De Araújo, Balinha, Hércules Corrêa e Marquinho Lessa. Nasceu pra ser sucesso no carnaval de 1989 e foi. Todo mundo decorou a letra e cantou junto no carnaval, pois ela traduzia exatamente o sentimento de indignação que assolava a nação brasileira naquela época...

29 anos se passaram depois disso. Vieram outros presidentes, outros partidos, outros vices, outros programas de governo, outros fracassos... Vimos o ressurgir das eleições diretas e, juntamente com os candidatos eleitos, muitas fraudes, denúncias e escândalos, dos mais diversos modelos, que mais pareciam ter saído de um roteiro de filme policial, envolvendo, agora, integrantes dos três poderes... Vimos direitos e garantias dos cidadãos sendo dadas por uma mão e surrupiadas por outra... Vimos um total desrespeito e desprezo pela Constituição Brasileira, sempre em nome "do povo, pelo povo e para o povo"... Vimos a corrupção batendo à porta dos partidos e sendo bem recebida por todos eles, como se isso fosse uma coisa normal e sem nenhuma importância... Vimos políticos importantes sendo desmascarados e apontados como ladrões, cúmplices, delatores, réus, prisioneiros... Vimos o Brasil rachar ao meio e produzir inimigos ferozes e intolerantes de ambos os lados, tentando defender o que não merece defesa... Vimos nossas esperanças sendo desfeitas algumas centenas de vezes, como se não tivéssemos mais o direito de ter esperança...

Pelo visto, nada “mudou” nesses 29 anos, apesar de termos tentado bastante. Trouxemos de volta as eleições diretas, os exilados políticos, inventamos novas moedas, promulgamos uma nova Constituição, alternamos o poder, inventamos novos direitos e ensinamos o povo a lutar como nunca por esses direitos. Tudo em vão, porém. Enquanto confiávamos neles, eles nos traíam pelas costas. E o que já era ruim de aguentar, agora se tornou insuportável. Sem saída, junto-me a Simone e canto com ela a minha total desesperança nesse país...

(Lilian Rocha - 21.05.17)

DISPUTA DE PODER (Simone - 1988)

https://www.youtube.com/watch?v=9Rq5zDHZkiM

É ruim de segurar Assim não dá, é padecer Do jeito que está Vamos pagando pra sobreviver

Se trocou não mudou nada Jogo de carta marcada É só perder A panelinha armada Tem muita brasa E ninguém bota pra ferver

Isso aqui tá brincadeira Ou será que não está Brasileiro, brasileira Tá na hora de gritar

Chega de levar tanta porrada Vamos ver se a papelada Dessa vez é pra valer

Chega, tá virando sacanagem As promessas são bobagens Que só faz aborrecer

Cansado, rasgo a fantasia Dessa anarquia Na disputa do poder

Piuí, piuí, puá, puá Eu quero ver onde essa zorra vai parar Piuí, piuí, puá, puá Eu quero ver onde essa zorra vai parar

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