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"MANIFESTO CULTURAL"

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 17 de nov. de 2017
  • 4 min de leitura

Tenho acompanhado atentamente as últimas manifestações, dessa vez agora sobre o "fim" do Ministério da Cultura, que pelo que eu entendi, não acabou, apenas se fundiu com a Educação. Tenho visto milhares de artistas que eu amo, protestando em todos os cantos do Brasil e até pessoas comuns, visivelmente abaladas, ocupando lugares em sinal de protesto. E já que tá todo mundo se manifestando, resolvi fazer o mesmo. Afinal, se tenho livros publicados, sou autora de peças teatrais e de programas de rádio e TV, creio que já posso erigir o “pomposo” título de "escritora, dramaturga, radialista e roteirista" e me considerar, pelo menos, parte do meio artístico. Consequentemente, com direito a me manifestar...

Pois bem, meu primeiro livro foi fruto de um concurso de literatura, promovido pelo Banese, em 2004. Ganhei em 1º lugar e, por isso, recebi um cheque "vultoso" de R$4.000,00. Da edição de mil livros, eu só fiquei com cem. O resto foi distribuído entre os presentes. Muito justo, por sinal, já que os livros tinham sido feitos com dinheiro público... Entusiasmada, resolvi usar esse dinheiro pra fazer uma nova edição e tentar adotar nas escolas. Mas o preço de uma nova edição era R$8.000. Resolvi, então, pedir ajuda ao Banese, já que aquele livro havia sido premiado. Mas o Banese nem me deu bola. Fiz uma nova edição por minha conta e, por minha conta também, consegui adotá-lo em algumas escolas.

Em 2006, fiz outro livro. E em 2007, mais um. E montei também uma peça teatral. Tudo por minha conta.

Neste mesmo ano, resolvi participar do Edital de Artes Cênicas, que a Funcaju estava promovendo. Meu projeto foi um dos contemplados e eu recebi R$15.000,00 pra montar a peça. Em troca, eu teria que fazer 10 apresentações, a preço de banana. E eu fiz. Montei a peça e fiz 10 apresentações, 2 delas gratuitas, para crianças carentes. Com os 15.000 que recebi, tive que pagar 27% de imposto ao governo, pois eu era pessoa física, ou seja, R$4.050,00. Com os 11.000 restantes, paguei o teatro, figurino, cenário, cachê de 8 atores, diretor, iluminador, sonoplasta, coreógrafa, cantores, ajudantes de palco, estúdio de gravação, designer, gráfica e até um cinegrafista para filmar a peça em DVD pra eu guardar de lembrança. (claro que completei do meu bolso...)

No ano seguinte, resolvi me inscrever no Prêmio BNB de Cultura, pra ver se conseguia um patrocínio para meu 4º livro. Gastei muitas noites tentando escrever o projeto, sem experiência nenhuma. Mas o meu foi um dos 2 únicos projetos contemplados de Sergipe, concorrendo com 11 estados. Ganhei R$10.000, paguei 2.700,00 de imposto e com os 7.300 restantes, mandei fazer 1000 livros, que me custaram R$10.600,00. Ou seja, tive que completar do meu bolso. E dos 1000 livros, só fiquei com 800, pois tive que doar 20% da edição ao Banco do Nordeste, como contrapartida...

No ano seguinte, me inscrevi novamente no Prêmio BNB de Cultura e o meu projeto foi o único contemplado em Sergipe. E tudo se repetiu. “Ganhei” 10.000, recebi 7.300 e tive que completar do meu bolso para pagar à gráfica.

Em 2009, me inscrevi no Prêmio Sesc de Literatura, pra ver se conseguia alguma ajuda pra publicar meu 7º livro. Meu projeto foi um dos 5 contemplados e eu ganhei... R$3.000,00. O livro custou R$6.500,00, mas mesmo assim fiquei feliz.

Depois disso, nunca mais ganhei nada. Nem rifa! Já me inscrevi também em vários editais promovidos pelo Ministério da Cultura, mas tudo em vão.

Num desses últimos prêmios literários dos quais participei e não fui contemplada porque faltou uma bobagem, encontrei, por acaso, na lista dos não-contemplados, ninguém menos que Chico Buarque de Holanda! Tive que ler 3 vezes pra acreditar! O projeto dele também não tinha sido contemplado, mas ele havia conseguido o recurso. E aí fiquei matutando... O que era que Chico Buarque estava fazendo ali??!! Ou melhor: o que era que EU estava fazendo ali junto de Chico Buarque? Quem é doido de deixar de contemplar um projeto de Chico Buarque pra contemplar um projeto meu? Ora, é muita pretensão minha querer participar dessas coisas...

Lendo hoje sobre essa polêmica que se alastrou sobre o futuro do MinC, fiquei matutando... Acho que a criação da Lei Rouanet foi uma ideia fantástica, pois uma empresa pode optar por reverter o dinheiro que descontaria no imposto de renda para patrocinar os novos artistas que estão começando a carreira e não têm condições. Foi com ESSE objetivo que ela foi criada. Mas o que está acontecendo na prática é algo completamente diferente! São os artistas consagrados, que não precisam de recursos públicos, os que mais estão se beneficiando com essa lei. O governo investe neles, pois sabem que eles são formadores de opinião. (Garanto que muita gente começou a comprar FRIBOI por causa de Toni Ramos...)

Não tenho absolutamente NADA contra os artistas, nem com a arte que eles produzem. Muito pelo contrário! Mas do mesmo jeito que não acho justo que deputados e senadores recebam "ajuda de custo", já que possuem gordos salários, também não acho justo que a fatia maior dos recursos públicos seja destinada a artistas já consagrados. Culpa do MinC? Não. Culpa de uma má gestão.

Enquanto eu me viro pelo avesso pra publicar um livro, enquanto aquele cantor desconhecido continua lutando pra sobreviver cantando na praça de alimentação do shopping, enquanto um ator tem que se matar pra receber 50,00 de cachê, porque sua peça não conseguiu público suficiente, lá estava o MinC, aprovando projetos multimilionários para a produção de filmes, shows e turnês de gente famosíssima, que por si só já lotariam qualquer espaço cultural. Sim, esses artistas que estão protestando têm mesmo razão pra estarem chateados...

Mas como eu não sou nenhuma celebridade, como não tenho condições de competir com Luan Santana, Cláudia Leite, Letícia Sabatella ou Pepa Pig e nem tampouco tenho tempo sobrando pra ficar acampada na frente de uma casa, prefiro continuar “contribuindo para o enriquecimento cultural” de centenas e centenas de alunos, daqui mesmo da minha casa. Porque pra mim, “fazer cultura” não é algo que está vinculado a nenhum Ministério...

(Lilian Rocha - 19.5.16)


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