MEIAS DE ATENAS
- Lilian Rocha
- 17 de nov. de 2017
- 4 min de leitura
Creio que uma das maiores frustrações da minha vida é não ter jeito nenhum pra dona de casa. Segundo meu filho, é uma questão de ‘talento’ mesmo e eu concordo inteiramente com ele. Mesmo a tarefa mais simples de uma casa consegue se transformar numa coisa bem complexa, quando é colocada nas minhas mãos.
Confesso que já tentei investir em todos os departamentos da casa, mas tudo em vão. Não tenho força pra esfregar, não tenho jeito pra passar e minha arrumação de casa demora o triplo do tempo normal e quando termino, completamente esgotada, percebo que nem ficou parecendo que arrumei alguma coisa. A sensação é a mesma, por exemplo, de quem resolve desmontar um rádio sem saber e, no fim, se depara com um monte de peças que ficaram sobrando. Bem assim é a minha faxina. Sempre ficam sobrando várias peças que eu não tenho a menor noção do que fazer com elas.
Se começo pela sala, vou juntando os objetos que não pertencem à sala para levá-los de volta ao lugar correto. Parece uma coisa bastante simples, mas não é, porque quando chego ao banheiro, percebo que a gaveta onde eu iria guardar os tais objetos, também está merecendo uma arrumação. E tão logo começo a arrumar a tal gaveta, descubro nela outros objetos que deveriam estar no quarto. Pego os tais objetos e me dirijo ao quarto, mas como o quarto está quase todo arrumadinho, penso: “Acho que vou varrer logo esse quarto e deixá-lo pronto.”
E assim, me dirijo à área de serviço para buscar a vassoura. “Mas já que estou aqui, acho melhor colocar logo a roupa na máquina, pois quando eu terminar de varrer a casa, já vai estar na hora de estender a roupa.” E volto aos banheiros para recolher a roupa suja. Mas quando passo pela sala, me lembro que eu tinha começado por ela e lá está ela, coitada, ainda esperando por mim...
Desesperada, percebo que criei 4 focos de desarrumação ao mesmo tempo: a sala, o quarto que ficou esperando a vassoura, a bancada do banheiro que agora está repleta com tudo o que havia nas gavetas e a área de serviço que agora está molhada e desarrumada. E agora? Varro o quarto, arrumo as gavetas do banheiro, termino a sala, lavo a roupa ou me jogo do 6º andar?
Decido, então, começar pela roupa. Mas como não posso ir até a área sem passar pela cozinha, acho melhor adiantar o almoço, pois “enquanto o arroz e o feijão cozinham e a máquina lava a roupa, eu varro a casa”. E entro triunfante na cozinha, decididamente o lugar melhor da casa, pois pelo menos preparar comida é uma tarefa muito mais criativa do que arrumar uma casa, penso eu com meus botões... E enquanto o arroz e o feijão cozinham e a máquina bate a roupa, resolvo retirar a roupa que está no varal para facilitar minha vida quando chegar a hora de estender a outra.
Com os braços lotados de roupa, sento-me no sofá e, pacientemente, começo a dobrar as roupas que não precisam ser passadas e em seguida, a ‘casar meias’, outra tarefa aparentemente bastante simples, mas só aparentemente mesmo, sobretudo quando elas são pretas! Tenho que levantá-las contra a luz, comparar o tamanho do cano e os mínimos detalhes que as diferenciam umas das outras.
Sinceramente falando, casar meias é infinitamente mais complexo do que remontar um rádio. Até hoje não entendo o estranho fenômeno que acontece com elas, pois sempre ficam sobrando vários pés sem par, que por mais que eu procure depois, jamais vou encontrar. Às vezes acho que as meias são semelhantes às “Mulheres de Atenas”, de Chico Buarque. Aliás, quem sabe se não foram algumas meias sem par que lhe inspiraram versos tão pungentes?
“Vivem pros seus maridos”... só enquanto estão “calçadas” nos pés de alguém. Mas assim que marcham em direção à máquina de lavar, são poucas as que sobrevivem àquela batalha e voltam "com seus maridos”. E não há nada mais triste pra mim do que ver aquelas pobres coitadas estendidas no varal, feito jovens viúvas abandonadas, “secando por seus maridos” que nunca mais hão de encontrar o caminho de volta... Morro de pena!
E imersa nos meus devaneios, sinto um cheiro estranho no ar... E imediatamente largo as meias e corro para apagar o fogo do arroz que por pouco não queima... Aliás, trabalhar na cozinha também tem seus mistérios, não é pra qualquer um. Acho incrível como é que alguém consegue colocar na mesa todas as comidas quentes de uma só vez. Por mais que eu tente, não consigo! Quando acabo de esquentar o feijão, a carne já está fria, quando esquento a carne, é a vez de o arroz esfriar e se esquento tudo de uma vez, é quase certo que alguma coisa queime, pois o tempo que cada comida precisa pra ser esquentada é bem diferente do outro. É realmente um espetáculo de sincronização!
Olho em volta, desolada com a devastação que eu mesma criei. Agora tenho à minha espera a sala, o quarto, as gavetas do banheiro, um sofá repleto de roupas pra guardar, uma cozinha pra arrumar e a roupa pra estender...
Mas nem tudo está perdido! Acabo de me lembrar que minha empregada volta de férias amanhã...
(Lilian Rocha - 19.2.15)

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