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MISS POR UM DIA

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 17 de nov. de 2017
  • 4 min de leitura

Ainda me lembro muito daquela tarde. Estávamos voltando a pé do Educandário Brasília, eu, minha irmã e minha prima, e quando dobramos a rua Santa Luzia, fomos abordadas por uma menina que estava em frente à casa dela.

- Vocês querem participar de um concurso de Miss?

Levamos um susto, porque, venhamos e convenhamos, aquele não era um convite comum! Afinal, éramos crianças ainda, eu e minha prima tínhamos 7 anos e minha irmã, 10, e concurso de miss era coisa de gente grande. Mas a garota insistiu: - No próximo mês, vai ser meu aniversário de 10 anos e eu pedi à mamãe pra fazer um concurso de Miss Brasil. Vocês querem participar?” Olhamos uma para outra e com a mesma falta de juízo da aniversariante, aceitamos. Imediatamente, a menina gritou pela mãe e toda contente, apontou a gente, dizendo que tinha conseguido mais três pessoas.

Foi aí que entendemos. Para fazer um concurso de Miss Brasil, ela precisaria, pelo menos, de mais 26 meninas, além dela, número que correspondia, na época, ao número de estados brasileiros. Por isso que ela estava à porta de casa, a postos, convocando todas as crianças que passavam...

A casa dela era bem grande e de andar. Do lado direito, ficava a entrada da garagem e era exatamente por ali que a gente entrava pra ir ensaiar. Tanto os ensaios como a festa foram realizados na garagem.

No dia da festa, nos reunimos num quarto enorme que ficava em cima da garagem. Estávamos muito nervosas, eu, então, nem se fala. Além de tímida, eu era muito desastrada. Por isso, meu maior medo era tropeçar na passarela e estragar o aniversário todo da menina... Era só nisso que eu pensava!

O desfile ia ser dividido em duas partes. Na primeira, desfilaríamos de traje típico e na segunda, de maiô. Tudo igualzinho a um desfile de verdade! Cabia a nós escolhermos o estado brasileiro que iríamos representar. Foi um zum-zum-zum nessa hora, todas as meninas falavam ao mesmo tempo. Lembro que a aniversariante escolheu ser a Miss Sergipe; minha prima, que era baiana, escolheu a Bahia; minha irmã escolheu Pernambuco, em homenagem ao estado de meu pai, e eu fiquei ali, sobrando, sem saber pra que lado eu ia.... De repente, uma das senhoras que estava lá olhou pra mim e disse: “Você se parece com a Miss Goiás, escolha Goiás.” Como eu só tinha sete anos e não sabia absolutamente nada a respeito de concursos de Miss Brasil, e muito menos quem era a Miss Goiás de 1965, achei ótimo ela ter escolhido por mim. Pelo menos, me poupou daquele sacrifício...

Hoje eu acredito que aquela escolha não deve ter sido assim tão “espontânea”... O estado de Goiás devia estar sobrando e ela, mais do que depressa, tratou de arranjar uma candidata...

Quando chegaram os trajes típicos pra gente vestir, lembro que ficamos encantadas! Todas as roupas eram feitas de papel! Mas eram roupas longas e tão ricamente enfeitadas de laços e babados, que pareciam de verdade. E por cima da roupa, uma linda faixa, também feita de papel, com o nome do estado gravado em purpurina. Eu continuava tensa. Além do medo de tropeçar, eu agora estava com medo de fazer qualquer movimento brusco e rasgar a roupa. Não podia tossir, nem espirrar, e se fosse possível, era melhor até nem respirar... Pra completar, eu tinha que me lembrar em que lugar da passarela eu tinha que parar, rodar e sorrir. Sem falar nos milhares de conselhos de minha irmã: “Levante a cabeça, coloque os ombros pra trás, fica feio andar curvada, sorria...” Oh, Deus, quanto tempo ainda pra acabar com aquele suplício?

A um sinal qualquer, o desfile começou. Aquela garagem, onde havíamos ensaiado algumas vezes, já não parecia a mesma. No centro dela, havia agora uma passarela alta e comprida e, em volta dela, dezenas de mesas, repletas de convidados. E num lugar estratégico, lá estavam eles, os jurados! Nunca soube quem eram nem quantos eram. Lembro apenas que vi um monte de homens de terno e gravata e meu nervosismo aumentou. Hoje, acredito que “aqueles senhores” deviam ser apenas tios e primos da aniversariante, talvez bem jovens ainda, mas quando a gente tem 7 anos apenas, o mundo todo nos parece maior e mais sério. Aquilo que, para um adulto, é apenas “uma brincadeira de criança”, para uma criança qualquer brincadeira é algo bastante sério...

Não sei quanto tempo durou o desfile nem tampouco quanto tempo tivemos que esperar pelo resultado, pois criança não tem noção nenhuma de tempo. Mas me lembro que levei um susto, quando ouvi que a ‘Miss Goiás” tinha ficado em 2º lugar! A aniversariante tinha ficado em 3º lugar e, em 1º, uma garota linda que, ao contrário de nós, já era adolescente. A partir daí, comecei a ficar nervosa outra vez, pois haviam dito que seríamos nós, as vencedoras do 2º e 3º lugar quem iríamos coroar a vencedora. Eu olhava a altura da menina, olhava o pódio e pensava, aflita: “Eu não vou conseguir colocar a coroa na cabeça dela, ela é muito alta...”

Não deu outra! Subimos as três no pódio, sob os aplausos de todos. Depois que a aniversariante colocou a faixa de Miss Brasil nela, eu estiquei bem os braços e, de ponta de pé, tentei alcançar a cabeça da Miss, mas em vão. Todos riram! Tentei de novo, ela abaixou a cabeça, mas a coroa só chegava até o ombro dela. Foi então que a Miss Brasil resolveu esquecer o protocolo, pegou a coroa das minhas mãos e colocou na cabeça...

50 anos já se passaram depois disso e eu nunca mais soube daquela aniversariante, nem mesmo o nome dela eu guardei. Mas a casa continua lá. Para muitos, é apenas “uma casa para alugar”. Mas para mim, é mais um pedaço da minha infância que ainda continua vivo nas minhas lembranças. O cenário de um sonho de criança que, por algumas horas, também ajudei a realizar...

(Lilian Rocha - 21.11.15)


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