"MORTAL LOUCURA"
- Lilian Rocha
- 17 de nov. de 2017
- 3 min de leitura
Fui uma de suas centenas de milhares de admiradores. Uma admiradora anônima, como tantas outras, que todas as noites acompanhava a saga da família “dos Anjos”.
Como não tenho muito tempo livre, me acostumei a ver TV como quem ouve rádio. Ou seja, continuo trabalhando no computador, enquanto a novela vai se desenrolando na televisão. E como já conheço a voz dos atores, vou acompanhando a trama, sem que seja preciso parar o que estou fazendo para assistir. E como toda apaixonada por dramaturgia, esqueço-me de mim e vou me deixando levar pela história, como se ela também fosse minha.
É bem verdade que, de vez em quando, meus olhos se voltam para a TV, atraídos, na maioria das vezes, pela trilha sonora. Se alguns diálogos bem interpretados conseguem me transportar para a história, os acordes de uma música bem escolhida acabam por dar vida à personagem que escolhi viver na minha imaginação...
Durante meses, acompanhei a história de amor vivida por “Maria Tereza” e “Santo”, divinamente interpretados por Camila Pitanga e Domingos Montagner. Uma linda história, embalada pela voz de Maria Bethânia e um cenário de tirar o fôlego: o velho rio São Francisco, cheio de mistérios e encantamentos. Era sempre ali, às margens do rio e ao som dos versos pungentes daquela bela canção que a história ganhava mais força pra mim. Foi ali que começou a história deles, foi ali que eles ficaram à espera um do outro, imersos em suas lembranças, e foi também ali que, mais tarde, eles passaram a se encontrar, às escondidas. Às margens daquele rio, manso e silencioso, única testemunha daquele amor proibido...
Acho que o que mais me encanta num ator é quando ele consegue “passar” o sentimento dele. E isso não é uma coisa fácil. Não basta um texto bem decorado. Um bom ator, pra mim, precisa “sentir” o que está dizendo, precisa “me convencer” de que ele “é”, de verdade, aquele personagem, muito embora eu saiba que ele não é. Mas a interpretação tem que ser tão perfeita que por alguns instantes eu acredite que aquilo não é ficção... E Domingos Montagner sabia fazer isso. Ele e Camila Pitanga. Havia um entrosamento tão perfeito entre os dois, que ficava difícil saber onde terminavam “Santo” e “Tereza” e onde começavam Domingos e Camila.
Por muitos meses acreditei naquela história de ficção, por várias vezes meus olhos se voltaram para a TV, cheios d´água, emocionados com aquele amor que parecia tão verdadeiro, com aquele homem valente que honrava a palavra, que defendia a família, que amava e sofria com tanta intensidade... Um personagem adorável, muito bem escrito, que trouxe de volta alguns valores que há muito não se via numa novela...
E como profunda admiradora dele, também fui uma das centenas de milhares de pessoas que não acreditaram, quando ouviram, perplexas, a trágica notícia de sua morte. Uma morte cujo cenário, escolhido ironicamente pelo destino, foi o mesmo rio, belo e traiçoeiro, palco principal daquela história. E como "coadjuvante", não mais a personagem, mas a atriz, que agora era obrigada a assistir, atônita e aflita, a uma cena que não fora escrita...
É muito difícil entender onde termina a ficção e onde começa a realidade, quando ambas se desenrolam no mesmo cenário. E mais ainda, quando todos os depoimentos daqueles que o conheceram coincidem perfeitamente com o personagem que ele representava.
Ainda não sei quem se foi de verdade, se o homem ou o personagem. Às vezes, penso que um estava dentro do outro, esperando apenas o momento inimaginável em que a vida e a arte haveriam de se fundir num mesmo abraço, longo e eterno... Talvez seja isso a vida da gente. Nada mais que uma sucessão de cenas que obedecem a um roteiro misterioso e que vão acontecendo rapidamente e sem ensaios. Em algumas cenas, somos apenas coadjuvantes; noutras, os protagonistas.
E como protagonistas de nossa própria história, temos que dar o melhor de nós mesmos, sem máscaras e sem reservas e viver intensa e apaixonadamente cada cena que nos for sendo apresentada, como se fosse a última... Pois que “a vida é emprestada... e a vontade de Deus, sagrada..."
(Lilian Rocha - 21.09.16)

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