OS CAVALOS DE ALICE
- Lilian Rocha
- 17 de nov. de 2017
- 3 min de leitura
Sempre tive uma grande paixão por Machado de Assis. Seus textos, seu português impecável, sua ironia discreta e principalmente suas metáforas fizeram dele uma espécie de ídolo para mim. Foi também ele o responsável por conseguir transformar minhas aulas de Literatura em alguns dos momentos mais prazerosos de minha vida.
Quando admiramos alguém, sem querer acabamos absorvendo tudo o que de bom emana dele, como se assim, pudéssemos retê-lo para sempre em nosso espírito. Uma prova disso é um pequeno trecho que li, extraído de uma de suas obras mais famosas, que nunca mais esqueci.
Ele falava acerca da sua imaginação, dizendo ser ela uma verdadeira companheira de toda a sua existência. “Creio haver lido em Tácito que as éguas iberas concebiam pelo vento... (...) Neste particular, a minha imaginação era uma grande égua ibera; a menor brisa lhe dava um potro, que saía logo cavalo de Alexandre.”
Talvez por ter também uma imaginação tão fértil, fiz desse pequeno trecho um dos meus preferidos. Minha imaginação, muitas vezes, se assemelha a essa “égua ibera” que consegue conceber pelo vento. Antes mesmo que eu me dê conta, ela já gerou, não apenas um potro, mas dezenas deles que, também com o vento, transformam-se logo em cavalos alados, ágeis e velozes...
Confesso que tenho dificuldade de domar os “meus cavalos”. Principalmente quando os deixo soltos na relva e me ponho a ficar olhando para o infinito, como se todo o tempo do mundo me pertencesse...
Um pouco como "Alice", personagem de Lewis Carroll, perdida em seus devaneios, sonhando com as maravilhas de algum país encantado, assim me sinto, quando liberto "meus cavalos". Soltos, vejo-os correrem ligeiro em busca de comida. Mas meus cavalos alados não se alimentam como os outros. Eles têm fome de palavras, de poesia, de pequenos bocados de sensibilidade que brotam espontaneamente do coração de alguém...
Como esse alimento não é muito fácil de encontrar, eles acabam voltando para mim, ainda famintos, restando-me, apenas, matar-lhes a fome com algumas palavras de esperança, para em seguida, recolher-lhes a rédea e tornar a guardá-los nos estábulos de minha alma...
Certa tarde, porém, aconteceu algo diferente. Fui à procura de outro campo, na esperança de que meus cavalos pudessem, finalmente, se saciar. Tão logo eles se sentiram livres das rédeas, começaram a voar mais alto que das outras vezes. Encontraram um lugar encantado, onde as palavras brotavam de todos os lados e, desconfiados, começaram a experimentá-las para ver se eram reais. Mas para surpresa deles, aquelas palavras tinham um sabor agradável. Umas tinham gosto de magia, outras de sonhos, outras de poesia. E quanto mais eles comiam, mais fome sentiam...
Só depois de muito tempo, eles voltaram para mim. Notei que agora eles estavam com o pelo mais bonito e muito mais viçoso. Sorri feliz, ao vê-los felizes.
Agora, em vez de levá-los pelas rédeas, monto em suas asas e me deixo transportar por eles rumo a esse lugar encantado. E, junto com eles, vou saboreando cada uma daquelas palavras encantadas, que têm o poder de saciar a minha alma e me dão a certeza de que não estou mais só.
Devaneios de Alice, cavalos alados de Alexandre... Assim é a minha imaginação. Às vezes, dotada de asas como as éguas iberas dos livros de Machado que concebiam com o vento... Outras vezes frágil, como os sonhos de Alice, capazes de se dissiparem ao menor barulho...
Pouco importa. Faço questão apenas de uma coisa: de que aquelas palavras encantadas sejam mesmo reais...
(Lilian Rocha)

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