PALAVRAS
- Lilian Rocha
- 17 de nov. de 2017
- 3 min de leitura
Sempre fui chorona, de me emocionar por besteira, de viver a história dos outros e sentir até as dores que não eram minhas. Adoro histórias tristes, sejam elas de filmes, livros ou músicas.
Lembro-me, por exemplo, de uma história que li no primário, que me marcou muito. Falava de uma menina muito pobre que um dia vê o seu vestido rasgado. Como era o vestido que ela usava para ir à escola, ela resolve colocar um remendo nele, para que ninguém perceba. Mas como a casinha não tinha luz elétrica e era iluminada apenas por um candeeiro, só no dia seguinte é que ela percebe que colocou um remendo azul, em vez de verde. Mas vai para a escola assim mesmo, cobrindo o vestido com a pasta, pra ninguém ver. Acontece que no recreio, ela se esquece do remendo, larga a pasta e vai brincar. E torna-se alvo das piores gozações. Claro que depois tudo acaba bem, mas eu sofria muito com essa história, tinha pena da menina e morria de medo de que um dia acontecesse isso comigo.
Lembro-me, também, de algumas músicas do meu tempo de criança, que me faziam sentir pena do cantor, pois na minha imaginação, eu achava que tudo aquilo tinha acontecido realmente com ele. Uma delas era “Pobreza”, a primeira que Leno gravou sozinho, depois do fim da dupla Leno e Lílian. Sempre que eu ouvia aquele refrão, “A garota que eu adoro, por quem tanto choro não pode me ver... nunca soube o que é tristeza, vive na riqueza, sem poder viver...”, eu morria de pena dele, pois achava que ele era pobre mesmo...
Tinha outra pior ainda, chamada “Filme triste”, do Trio Esperança. A letra contava a história de uma menina que foi ao cinema pra se distrair, porque o namorado disse que ia ficar estudando. Mas ao chegar lá, quem ela encontra na frente dela? Nada mais nada menos que o namorado dela, aos beijos com a melhor amiga dela! “E do princípio ao fim do filme eu chorei...” Coitada dessa menina...! Ela chorava de lá e eu de cá, só imaginando a cena...
E o que dizer de Roberto Carlos? Perdi as contas de quantas vezes chorei, imaginando ele sentado à beira de um caminho, sozinho, tomando sol e chuva... Chorei muito também imaginando ele, a 120, 150, 180kms por hora, fugindo de tudo, só porque ela não o quis mais... “Ponteiro agora marca 190... Por um momento tive a sensação de ter você ao meu lado... Hum, o banco está vazio... Estou só, a 200 por hora... Vou parar de pensar em você pra prestar atenção na estrada...” Essa é até hoje uma das minhas músicas preferidas, adoro! História e melodia tristes, que me provocam uma melancolia terrível... Sou capaz de ouvi-la 150, 180, 200 vezes seguidas...
E os filmes tristes? “Dio como ti amo”, por exemplo, acho que vi umas 300 vezes... E em todas elas eu chorei no final, vendo Gigliola Cinquetti cantando “Dio como ti amo”, na esperança de que ele desistisse da viagem e descesse do avião... Meu sonho era um dia poder fazer aquela cena num aeroporto qualquer...
E como esquecer “Love Story”? Aquela cena linda em que eles brincam na neve, ao som da belíssima música de Francis Lai? E enquanto ela morria de leucemia do lado de lá, eu morria de chorar do lado de cá, ao som de Andy Williams...
Não sei que estranha atração é essa que tenho por coisas tristes, mas a verdade é que gosto de sentir a vida assim, em toda a sua intensidade. Não importa de onde venha a emoção, se de um filme, uma música, um livro, uma frase. O importante é que ela exista e se faça presente. Para que eu possa recordá-la, sempre que sentir saudade.
Por isso que nunca gostei dos números. Eles são sempre certinhos e sem graça. Prefiro as palavras. Mas não as palavras secas, que explicam sem sentir. Elas têm que ter cor, vida, sabor. Não podem ser rasas e superficiais; têm que ser profundas, capazes de penetrar e surpreender a minha alma. Devem ser livres e velozes, para que possam correr pelo texto, fugindo de tudo e de todos, principalmente do ponto final...
Já experimentei todo tipo de palavras, essas pequenas caixinhas que guardam sentimentos os mais diversos. Palavras doces, brotadas de um coração igualmente doce, que deixaram meu mundo mais suave; palavras quentes que me agasalharam a alma, todas as vezes em que me senti só; palavras fortes que me ajudaram a levantar e seguir adiante...
Mas conheci também o mundo avesso das palavras. Palavras de "remendos verdes", grosseiramente costuradas, que se comprazem em acusar, zombar, ferir, humilhar... Foram essas as que mais me machucaram. Mas dessas, eu não faço questão nenhuma de lembrar...
(Lilian Rocha – 13.3.15)

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