top of page

PARA FELIPE

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 17 de nov. de 2017
  • 5 min de leitura

Há exatos 30 anos, nascia Felipe, meu primeiro filho, a primeira das cinco maiores alegrias da minha vida. Mas muito antes de seu nascimento, muito antes do primeiro exame de laboratório confirmar que eu estava grávida, eu já o sentia dentro de mim e por isso, passei a lhe escrever regularmente. Por isso, quero hoje homenageá-lo com a primeira das muitas cartas que lhe escrevi, quando minha felicidade media apenas 3 milímetros... ------------------------------------------------------------------------------------ Recife, 16.01.1984

Meu anjinho,

É emocionante poder escrever pra você, pela primeira vez na vida, embora tenha sonhado com isso a minha vida inteira! Na madrugada de ontem, tive a certeza de que você estava comigo, quando me olhei no espelho e vi umas veias bem pronunciadas nos meus seios. É incrível como meu organismo já sabe de você, muito antes de mim. Enquanto eu ainda estava em dúvida se você existia ou não, já meus seios estavam se preparando para recebê-lo...

Sei que você tem apenas 3 milímetros e meio e já tem um coraçãozinho lindo, que bate igualzinho ao meu. Agora que já tenho certeza de você, apesar de ainda não ter feito nenhum exame, fico feliz por ter com quem conversar todos os dias. Desculpe-me se não acreditei logo em você. Você sabe que, no fundo, eu já o desejava e apenas queria que você desse um sinal de vida, para que eu pudesse começar a sorrir, não de dúvida, mas de certeza.

Como você é pequenininho ainda! Acho linda a maneira como você diz que precisa de mim! Já entendi que você não gosta de dormir sozinho e agora, espero estar sempre disponível para me deitar com você, cada vez que você tiver sono. Dormir sozinho é muito chato mesmo, ainda mais quando se tem apenas 3 milímetros!

Espero ansiosa os dias passarem para começar a ver você por fora. Logo que você tiver ouvidos, lhe contarei histórias lindas sobre a vida. A primeira história é sobre seu pai. Quero que você saiba como nos conhecemos e como a gente se ama. Estou ansiosa para que você o conheça. Ele anda tão feliz! Mesmo trabalhando mais de 10 horas por dia, ele nunca nos deixa sozinhos. Leva-nos com ele no coração e no pensamento e, segundo ele, só assim consegue trabalhar melhor.

Toda hora ele beija minha barriga e tenta se comunicar com você. Mas, por enquanto, só podemos nos comunicar pelo coração, pois é a única coisa que nós três temos em comum. Logo mais, quando surgirem outras coisas em você, inventaremos outras formas de nos comunicar.

Já tenho feito alguns sacrifícios de mãe para você: comi hoje feijão misturado com arroz, salada, quiabada e carne frita! Tudo o que eu não gosto, mas que deve lhe fazer bem! Deixei de tomar refrigerantes, cerveja e vinho, pois achei que você não iria gostar do sabor. São bebidas de gente grande e você só tem 3 milímetros! Quando você crescer e ficar um rapaz, aí você experimenta. Por enquanto, não. Vou te mandar sucos todos os dias. Quero que você experimente o de beterraba, pra você ver que delícia! É um dos que eu mais gosto!

Pretendo dar uma volta com você esta semana. É bem verdade que esta semana você já passeou muito, mas dessa vez vou lhe levar para um lugar que você não conhece ainda: o médico. Estou tentando arranjar um homeopata que cuida melhor da gente, do que aqueles outros médicos. Daí de dentro dá pra você dar uma olhada nos meus órgãos e ver que eles estão um pouquinho estragados. Sabe por quê? Por causa dos antibióticos, uns remédios horríveis que todos os médicos adoram passar pra gente. Se Deus quiser, você nunca vai experimentá-los! Quero que você cresça sadio, bem alimentado e que não chegue a conhecer nenhum remédio que lhe faça mal.

Esse médico vai ver se você está confortavelmente instalado aí dentro e se você está precisando de alguma coisa que eu ainda não descobri. Mas não se preocupe! Quando chegar o dia desse passeio, eu lhe aviso, pra você se preparar e se comportar direitinho lá no consultório.

'Direitinho' que eu digo é em relação aos meus intestinos. Você tem implicado muito com eles, não sei por quê! Se for problema de espaço, a gente dá um jeito! Você tem um cantinho que é só seu. Por enquanto, esse canto é enorme e não tem sentido você querer mais espaço. Você é tão pequeno! Cada vez que você implica com eles, eu sinto uma cólica incontrolável e acabo indo ao banheiro. Já tem umas 3 noites que acordo com vocês brigando aí dentro e quem perde o sono sou eu. Deixe de ser tão implicante e fique quietinho aí dentro, tá?

A não ser... que isso não seja briga! Talvez seja através dos meus intestinos que você esteja querendo me avisar que está acordado. Será? Pouco a pouco, eu vou entendendo sua linguagem misteriosa... Com três semanas de vida, já descobri algumas coisas sobre você: 1- já sei que você não gosta de dormir sozinho; 2- sei que quando você acorda, manda logo um recado pra mim; 3- sei que você não gosta muito de calor, nem de que eu fique muito tempo em pé. Toda vez que eu faço isso, você diz ao meu cérebro que me deixe tonta pra eu poder me sentar. 4- sei que você sente muita saudade do seu pai, pois toda vez que ele se aproxima, você acorda e deseja ouvir a voz dele. Viu como já lhe conheço um pouquinho?

Você já percebeu que eu só lhe trato no masculino? Não sei por que, mas sinto que você é um menininho. Dizem que as mães não se enganam e eu vou ficar orgulhosa se tiver acertado desde o início. Mas se por acaso eu errar, vou ficar estranhamente feliz, pois também sou doida por uma menina. Por isso que te chamo de 'anjinho', pois os anjos não têm sexo. E você é o nosso anjinho, pois antes de nascer dentro do meu ventre, já havia nascido dentro do nosso coração. Já o amamos muito e foi por isso que você nasceu.

Você foi mais outro presente que recebemos. Estamos sendo abençoados por Deus todos os dias, eu e o seu pai. É essa a primeira história que eu vou lhe contar quando você nascer. A história sobre seu pai e sua mãe. Uma história envolvente e surpreendente, que começou com o desejo vivo e sincero de ter você. Por querer você, seu pai sofreu muitíssimo. Deus achou que ele ainda não estava preparado para você e então, através de uma 'renúncia' (depois eu lhe explico o que é isso), preparou a mim e a ele para lhe cultivarmos outra vez no coração. Então, foi você a origem de tudo. E agora seu pai está feliz de fazer inveja! Parece mais criança que você! Desde que me apaixonei por ele, quis dar-lhe esse presente. Agora temos com quem dividir todo o nosso amor. Espero que você nos ame como já o amávamos muito antes de você existir...

Agora vá dormir, meu filho, pois a carta foi longa e não quero que você se canse. Se minha barriga não ficasse tão longe da minha boca, eu lhe daria um beijo agora. Mas o que está mais perto de você é o meu coração. Por isso, aqui vai um beijo pra você, "via artéria aorta"... A bênção de sua mãe, Lilian


Comentários


RECENT POSTS
SEARCH BY TAGS
ARCHIVE
bottom of page