QUEBRA-CABEÇA
- Lilian Rocha
- 17 de nov. de 2017
- 4 min de leitura
Sempre fui um pouco compulsiva, seja qual for o assunto. Gosto de começar uma coisa e terminar, porque não suporto a ideia de deixar algo pela metade, isso me tira a paz.
Em parte, isso é uma coisa ótima, sobretudo no quesito “responsabilidade”. Mas, por outro lado, já estraguei muito minha saúde por causa disso. Já passei muitas madrugadas em claro, corrigindo provas, fazendo docinhos, recortando, colando, preenchendo, carimbando, arrumando, limpando, enfim, tentando fazer cumprir o famoso ditado: “Não deixe para amanhã o que se pode fazer hoje.”
Pura tolice, hoje reconheço. Nada é tão importante assim, que não possa ser concluído no dia seguinte. Depois de prejudicar muito minha vista por causa disso, tentando me manter acordada pra concluir alguma coisa, fiz as pazes com meu sono. Quando ele chega – e chega muito fácil, graças a Deus! – eu olho para o que estou fazendo e digo pra mim mesma: “Amanhã eu resolvo isso!” E sem o menor escrúpulo, fecho os olhos e durmo. Mesmo que aquilo que eu esteja fazendo tenha um prazo apertado para entregar, nada é mais importante do que meu sono.
Depois que tomei essa resolução, minha vida melhorou bastante. No dia seguinte, mais descansada, eu concluo o serviço com muito mais facilidade. Se por acaso eu for vencida pelo sono, mesmo sabendo que no dia seguinte eu não terei tempo para concluir, isso também não tem importância, pois fatalmente eu vou acordar de madrugada, com a frase, a rima ou a ideia que eu tanto queria, arrumadinha na cabeça! E então, no silêncio da madrugada, eu finalizo o que eu estava fazendo. Isso já aconteceu comigo dezenas de vezes!
Por isso, acho que o sono é fundamental. Ele indica que nosso organismo chegou ao limite e lutar contra isso é uma perda de tempo! Aliás, ninguém me peça nem me pergunte nada quando eu estiver com sono. Eu simplesmente não raciocino, fico mal humorada, não consigo gravar recados, é um horror! Eu costumava dizer que, se algum dia eu virasse uma presa política e me deixassem sem dormir pra ver se eu confessava, podem ter certeza de que eu contaria tudo, entregaria todo mundo...
Também já passei muitos apertos por causa do meu sono. Quando eu dava aula 1h da tarde, meus olhos reviravam de sono e de repente eu falava uma coisa totalmente sem nexo. Ao que os alunos rebatiam: “Como é que é, professora?” O mesmo acontecia quando eu ia colocar meus filhos para dormir. Começava contando uma história e de repente, completamente bêbada de sono, uma história se misturava na outra e lá estava o lobo acordando a Branca de Neve...
Por outro lado, quando a tarefa é interessante, a gente se esquece até do sono... Um dos meus passatempos preferidos, por exemplo, é fazer quebra-cabeça. Houve um tempo na minha vida que isso virou uma verdadeira mania. Mal acabava de montar um, já começava outro. Comecei com 500 peças, depois fui aumentando pra 1000, 2000, 3000, até que finalmente comprei um de 5000 peças. Só que nunca tive onde armá-lo e, por isso, ele ficou guardado, por mais de 20 anos...
Até que este ano, esta mania voltou com força. Desengavetei o pobrezinho e depois de quase 3 meses, eu e meu filho Victor acabamos com a raça dele. Foi uma felicidade! E agora, cá estou eu outra vez, entregue a esta deliciosa compulsão, acabando um e começando outro...
Mas montar um quebra-cabeça é muito mais que um passatempo. Eu diria que é um “exercício de viver”, pois é uma tarefa que nos exige, sobretudo, paciência. Paciência e dedicação. Antes de montar, é preciso, primeiro, fazer “um reconhecimento da área”, ou seja, começar a separar as peças por cores e depois montar o contorno. Pronto o contorno, aí sim, é que começa o trabalho verdadeiramente dito. Conseguir encontrar, no meio daquelas centenas de peças, uma que se encaixe perfeitamente com aquela que você tem nas mãos é, sem dúvida, uma árdua tarefa. Depois mais uma peça, mais outra, e de repente, está pronto um pedacinho que, muito tempo depois, haverá de se juntar a outro pedaço e, assim, sucessivamente, até formar um lindo desenho.
Assim é a vida. Um gigantesco quebra-cabeça de fatos confusos e, muitas vezes, inexplicáveis. Quantas vezes ficamos acordados, nos revirando na cama, preocupados com um problema para o qual a gente não consegue encontrar solução? Quantas vezes já questionei Deus, tentando entender aquele “conjunto de peças misturadas” que pra mim não faziam o menor sentido? Quantas vezes já senti vontade de desistir de tudo, só por não estar conseguindo encontrar uma "única peça"?
E nesse meu exercício diário de pensar, percebo que a solução dos nossos problemas não está numa única peça, pois não é uma peça que forma o desenho, mas o conjunto de todas elas. Portanto, em vez de focarmos tanto “na peça” que não conseguimos encontrar, por que não nos alegrarmos com tudo o que já conseguimos montar? E se por acaso formos vencidos pelo cansaço, antes de conseguirmos encontrar uma solução, não importa. Sempre haverá um novo dia, uma nova chance. Assim é a vida. Um exercício de paciência e dedicação. E acima de tudo, de esperança...
(Lilian Rocha – 28.11.15)

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