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QUIROMANCIA

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 17 de nov. de 2017
  • 4 min de leitura

Sempre gostei de coisas esotéricas. Quando eu era criança, por exemplo, adorava brincar de cigana com minha prima. Íamos para o quintal, armávamos nossa tenda com um lençol, depois arranjávamos uma saia comprida qualquer, um lenço na cabeça, um monte de colares pendurados e imediatamente nos transformávamos em duas ciganas de verdade. A gente levava tão a sério a brincadeira, que passávamos o dia inteiro acocoradas, com a saia enfiada no meio das pernas, comendo com as mãos e lendo a mão de quem ousasse aparecer no nosso acampamento...

Depois veio a fase dos sonhos. Como sempre tive muita facilidade de sonhar e de me lembrar dos meus sonhos com riqueza de detalhes, queria saber o que eles significavam. Consegui um livro de significado de sonhos e pus-me a ler. Mas como ele era grande, resolvi fazer uma cópia, num formato bem reduzido, de modo que eu pudesse levá-lo na bolsa para onde quer que eu fosse. Passei vários dias fazendo o meu livrinho de bolso, todo escrito a mão. De tanto ler e copiar, acabei decorando o significado de muitos sonhos. Fiquei tão viciada nessa leitura, que descobri que estava sonhando só com os sonhos do livrinho. Aí ele perdeu a graça...

Certo dia, uma colega de escola inventou de fazer a tal brincadeira com o copo e lá fui eu também, até hoje não sei por quê! Sentamos todas no chão do quarto, em círculo, enquanto ela rabiscava alguma coisa numa cartolina. Depois ela pegou um copo e colocou-o emborcado bem no centro da cartolina. A brincadeira consistia nisso. Alguém fazia uma pergunta qualquer e pressionava levemente o dedo sobre o copo. O copo, então, deslizava pelo papel, praticamente sozinho, até parar no ‘sim’ ou ‘não’. Coisa mais esquisita! Fiquei com tanto medo, que caí fora dali. Nunca mais quis brincar daquilo...

Em compensação, inventei uma versão ‘menos perigosa’ da brincadeira do copo, que não envolvia espírito nenhum. Sempre que eu estava querendo saber algo sobre o “meu futuro”, eu escrevia duas alternativas em pedacinhos de papel, dobrava-os, depois rezava e tirava um deles. Também fiquei viciada nisso. Eu não fazia nada, não tomava nenhuma decisão, sem antes saber “a opinião” de N.S...

Depois, veio a fase das “cartas”. Arranjei um baralho esotérico e pus-me a ver “a sorte’. Fiquei tão habilidosa nessa arte, que todas as minhas colegas de faculdade faziam fila pra saber o futuro... E elas me garantiam que eu acertava tudo!...

Mas foi em Niterói, na casa de minha prima Maria, que eu me apaixonei perdidamente pela quiromancia. Ela tinha comprado um livro sobre isso e estava toda empolgada. Mas como era um assunto sobre o qual pouca gente se interessava, ela não tinha com quem conversar. Fizemos, então, um trato. Assim que eu voltasse, eu também compraria um livro igual ao dela e, por carta, a gente conversaria sobre todas as descobertas que fizéssemos.

Dito e feito. Assim que cheguei, comprei o livro e me pus a estudar. Aprendi sobre as 3 principais linhas: da vida, do amor e da cabeça. Aprendi sobre os ‘montes’ que temos nas mãos e por que razão o meu "monte da Lua' é tão desenvolvido.... Aprendi sobre os “sinais” que ora aparecem, ora desaparecem das nossas mãos. E quanto mais eu lia o livro, mais horas eu me detinha sobre a minha mão, tentando compreender aquela estranha linguagem de linhas, montes e sinais... Aprendi também que o formato das mãos e dos dedos têm tudo a ver com a nossa personalidade. Segundo o livro, é possível até reconhecer um assassino em potencial pelo dedo polegar, que é bem grosso e achatado...

Comecei a ficar paranoica. Queria ver as mãos e os dedos de todo mundo! Um dia peguei um táxi e assim que o motorista colocou as mãos no volante, eu vi o dedão dele, grosso e achatado... Imediatamente, inventei uma desculpa e desci do táxi...

Aprendi também sobre as ‘ilhas’ que aparecem nas nossas mãos, duas linhas que se entrelaçam, deixando um pequeno espaço vazio entre elas. Cada ‘ilha’ significa um pequeno período de ‘paralisia’ em nossa vida, como por exemplo, uma doença que nos obrigue a ficar de cama por algum tempo... Olhei minha mão e descobri uma ‘ilha’ imensa, formada pelas linhas da vida e da cabeça. "Ora, se essa ilha está logo abaixo da linha da vida, significa que os últimos anos da minha vida vão ser em cima de uma cama...” - concluí.

Comecei a cismar com aquele livro. Talvez essa história de saber o futuro não fosse uma coisa tão boa assim...

Mas como nunca fui de deixar um livro pela metade, resolvi seguir em frente. Até que cheguei a um certo capítulo que ensinava a descobrir com quantos anos a gente ia morrer. Para isso, era só pegar uma régua e medir a linha da vida e depois dividir o resultado por um número que eu não me lembro mais. “E agora? Faço ou não faço?” – pensei. Mas quando se tem 20 anos, a curiosidade é sempre maior do que o medo...

Mais do que depressa, peguei uma régua, estiquei bem a mão esquerda e pus a medir a linha da minha vida. Em seguida, tratei de fazer a divisão... O resultado foi assustador! Algo em torno de 40 e poucos anos. Ou seja, aos 20 anos, eu acabara de descobrir que eu tinha apenas 20 e poucos anos de vida!! Apavorada, fechei o livro e nunca mais quis saber dele...

Mas fiquei com isso na cabeça. A cada aniversário meu, eu pensava no livro. Quando fiz 40, o tormento aumentou, pois ‘40 e poucos’ podia ser qualquer coisa... Só sosseguei quando fiz 50. E como já passei dos 50 e poucos e já entrei nos 50 e muitos, acho que finalmente escapei da maldição do livro...

Continuo esotérica, mas uma esotérica bem mais contida. Vejo o significado dos meus sonhos pela internet, não quero saber nada sobre o futuro e sempre que pego um táxi, evito olhar o dedo polegar do motorista... Eu, hein! Nunca se sabe...

(Lilian Rocha - 19.06.16)


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