"SEU" INÁCIO
- Lilian Rocha
- 17 de nov. de 2017
- 4 min de leitura
Confesso que, da história de Aracaju, ele nunca foi o meu personagem preferido. Nem nunca o vi como ‘herói’. Herói, pra mim, sempre foi o Barão de Maruim. Homem de visão, empreendedor, dono de quase todas as terras de Aracaju e doador de muitas delas. Pelo menos foi assim que Sebrão Sobrinho o descreveu em seu livro “Laudas de Aracaju" - livro complicadíssimo, por sinal...
Segundo ele, foi o Barão quem arquitetou toda a mudança da capital e Inácio Barbosa, por ser o presidente da província, apenas assinou o documento. E era exatamente por isso que eu não gostava dele. Pra mim, ele se aproveitou da situação e virou herói.
Em compensação, que fim de vida mais triste teve ele! Em 1855, Aracaju era quase um pântano! Terras alagadas e infestadas de mosquito! E foi por causa de um desses mosquitos que Inácio Barbosa contraiu malária e terminou morrendo em outubro, apenas sete meses depois da mudança da capital.
Que ironia! Um cara nascido no Rio de Janeiro, que sempre teve uma vida tranquila, sem nenhuma preocupação financeira, formado em Direito, aprovado em concurso para Juiz, que foi secretário do governo do Ceará, 1º Oficial da Secretaria da Fazenda e Juiz Municipal da Corte, enfim, um intelectual respeitadíssimo resolve aceitar o cargo de presidente da província de Sergipe, que na época não passava de um aglomerado de sítios, sem a menor infraestrutura pra se morar... E tudo isso pra quê? Pra no fim, morrer de malária, vítima de um mosquito sergipano! Nem teve tempo pra curtir a fama e muito menos a nova capital! Coitado!
Pra completar, teve um enterro miserável, sem nenhuma pompa. Quem aproveitou mesmo foi o sucessor dele, um tal de Salvador Correia de Sá e Benevides. Ele, sim, viu a cidade virar cidade, teve o gosto de experimentar as instalações do novo Palácio do Governo e o orgulho de ver a primeira igreja de Aracaju batizada com o seu nome: Igreja do São ‘Salvador’. Mas a vida é assim mesmo: um pensa, o outro executa e um terceiro é que vai aproveitar...
Tenho pena de Inácio. Acho que ele foi um homem cheio de sonhos... Pois somente um sonho faz a gente abrir mão de tudo o que se tem. É desse lado dele que eu gosto, é com esse que eu me identifico...
Inácio devia ter um pouco de “Dom Quixote” que via o que ninguém mais conseguia ver. Naquele tempo Aracaju não prestava nem pra ser cidade, quanto mais capital! Mas ele insistiu, acreditou que ela já tinha nascido “capital”!
Acho que são os sonhos que movem a gente. Triste de quem não sabe sonhar, de quem vive eternamente com os pés no chão. Nunca vai sentir o gosto daquilo que ainda não existe de verdade. Saber sonhar é como abraçar um bebê muito antes de ele ter sido concebido...
O Barão de Maruim ganhou uma rua com o seu nome: ‘rua do barão’, a antiga rua João Pessoa, que antigamente possuía muito mais trechos. Ia do Palácio até o mercado. Nada mais justo ter o nome dele, pois afinal, todas aquelas terras eram dele. Mas depois dividiram aquela rua em duas (João Pessoa e José do Prado Franco) e ele ganhou, em vez de rua, uma avenida inteira, talvez a mais importante, que divide a cidade em duas. Nada mais justo para um Barão tão importante!
Quanto a seu Inácio, ele foi, aos poucos, sendo reconhecido. Ganhou um obelisco, ganhou uma praça – pequena, é verdade, mas muito bonitinha e num local privilegiado, bem em frente ao rio! E ainda de quebra, ganhou um bairro!
Aqui pra nós, seu Inácio, acho seu bairro o mais simpático da cidade e também o mais parecido com você. É simples, bem arborizado e cheio de casinhas ainda. Tem o mesmo aconchego das cidadezinhas do interior, o que deve lembrar a antiga província pela qual você abriu mão de tudo. Tem até um cajueiro enorme, que parece abraçar a todos com seus longos braços... Um ótimo lugar para sonhar.
Mas seu bairro também virou um ponto de encontro de intelectuais e artistas, graças a alguns barzinhos que primam pela qualidade dos serviços e principalmente, da música. Não podia ser diferente, já que seu Inácio também era um intelectual!
Acho que os aracajuanos conseguiram realmente captar a verdadeira essência de Inácio Barbosa, este carioca que escolheu Aracaju para viver. E para morrer. Que sonhou com esta cidade muito antes de ela ser concebida. Que abriu mão de sua vida confortável para desbravar terras alagadas e insalubres. Que valoriza, ao mesmo tempo, a simplicidade e a intelectualidade. E que continua abrindo seus longos braços para receber todos os que, como ele, escolheram Aracaju para viver.
Ontem, inesperadamente, ganhei “dele” um presente. Uma “medalha do mérito cultural Inácio Barbosa” e me senti, carinhosamente, abraçada por ele. Por esse homem que eu mal conhecia direito, mas que há muito vinha observando meu trabalho e aplaudindo os meus sonhos...
Quer saber de uma coisa, seu Inácio? Também virei sua fã!
(Lilian Rocha - 19.3.15)
(ilustração: Eduardo Oliveira, extraída de "Aracaju, uma história em quadrinhos")

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