SILÊNCIO VERDE
- Lilian Rocha
- 17 de nov. de 2017
- 3 min de leitura
Vendo essas tristes cenas pela televisão, dezenas de corpos chegando de avião e se dirigindo para o estádio, não pude deixar de me lembrar do terrível acidente do Arqui, ocorrido em 2002, envolvendo dois ônibus, um deles repleto de alunos do colégio, que haviam ido passar o feriado de 15 de novembro, numa excursão com um professor de Geografia... Era pra ter sido apenas mais uma excursão, como tantas que habitualmente eram realizadas naquela época. Ninguém imaginava o que estava prestes a acontecer na volta... Como estava um pouco atrasado, o motorista começou a correr mais do que devia e a poucos quilômetros de Aracaju, bateu de frente com outro ônibus que estava voltando para Maceió...
Eu estava em casa naquela noite, quando recebi um telefonema, avisando que meu sobrinho Germano tinha sofrido um acidente. - Acidente com Germano? - perguntei, assustada. Nesse exato momento, minha filha Júlia exclamou: - Eita, minha mãe, deve ter sido o ônibus da excursão!
Foi aí que fiquei sabendo da tal excursão. Um professor de Geografia havia organizado um passeio com todas as turmas do 2º ano e alguns poucos alunos do 3º. Minha filha era do 2º ano e não sei por que ela não quis ir para essa excursão. Preferiu passar o feriado em Salvador. E meu sobrinho, que era do 3º ano, resolveu ir. Foram tantos alunos querendo participar, que o professor teve que contratar dois ônibus. Na volta da viagem, já bem perto de Aracaju, os dois ônibus fizeram uma daquelas paradas costumeiras para banheiro, lanche, etc e muitos alunos resolveram trocar de ônibus. Coisa de menino mesmo, muito normal entre colegas, principalmente depois de uma excursão, onde os laços de amizade tornam-se ainda mais estreitos. E vieram todos cantando, tocando violão, aproveitando cada minutinho daquela viagem maravilhosa, exatamente como os jogadores quando entraram naquele avião. Todos muito alegres e cheios de planos...
Uma vez eu li, em algum lugar, que "acidentes não acontecem, são provocados" e desde então, passei a prestar mais atenção aos acidentes... Temos mania de dizer que uma coisa aconteceu "porque tinha que acontecer", mas nem sempre é assim. Este acidente de avião não foi simplesmente um "acidente". Foi fruto da irresponsabilidade de um piloto, que costumava viajar com menos combustível do que devia. Do mesmo jeito que o acidente envolvendo os alunos do colégio. Foi "provocado". Fruto da inconsequência do motorista que, para não ser punido pela empresa por causa do atraso, resolveu correr além da conta, colocando em risco a vida de dezenas de adolescentes...
Vendo hoje um estádio coberto de luto e tristeza, recebendo 71 corpos, lembro daquela triste segunda-feira, em que a quadra e o ginásio de esportes do Arqui também se cobriram de luto e tristeza para receber 5 dos 7 corpos mortos naquele acidente.
Não tenho palavras para descrever o sentimento que nos dominou a todos, naquele terrível velório coletivo. Naquele lugar onde a gente via sempre tantos alunos correndo e gritando atrás de uma bola, tudo agora era silêncio. Um silêncio de morte, que doía por dentro...
E fora dali, dezenas de outros alunos espalhados em todos os hospitais da cidade, com pernas quebradas, braços fraturados, esperando por uma cirurgia. Não tínhamos sequer tempo para chorar, pois eram muitos os que precisavam da gente, da nossa força, do nosso carinho. E se eu nunca esqueci a dor daquele dia, também nunca esqueci o sentimento de solidariedade que nos contagiou. Dia e noite, dezenas de colegas se revezavam nos hospitais, levando vida e alegria aos colegas, pois era disso o que eles mais precisavam naquele momento.
14 anos se passaram depois disso, mas hoje, vendo essas imagens, voltei a sentir aquele mesmo véu de tristeza que se abateu sobre mim naquele dia. Mas vendo também o mundo todo vestido de verde, percebo, mais uma vez, que quanto maior é a dor, maior também é a demonstração de amor...
Não há o que se dizer numa hora como essa, pois até as palavras morrem, antes mesmo de saírem de nossa boca. Fico, portanto, também em silêncio, mas não um silêncio de morte. Prefiro um silêncio verde, um silêncio de vida...
(Lilian Rocha - 03.12.16)

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