UM CERTO PILOTO
- Lilian Rocha
- 17 de nov. de 2017
- 3 min de leitura
O ano era 1970. E o dia, um dia quente qualquer de agosto. Mas aquele convite estava longe de ser um convite comum. “Não, eu não vou. Não gosto, tem gente demais e não deve ter nem onde sentar.” – pensei.
Mas quando se tem 13 anos, quem é que dá bola para o que a gente está pensando? Sim, porque eu apenas pensei, mas não tive coragem de dizer. E quando a gente tem 13 anos, tudo o que a gente mais quer é fazer de conta que é animada e topa tudo. Por isso topei e não pensei mais no assunto.
O convite partira de meu primo Marquinhos, que morava no Rio e tinha vindo passar alguns dias conosco. Ele era apaixonado por carros de corrida. Nunca correu, mas tinha uma habilidade manual fora do comum. Tinha uma coleção fantástica de carrinhos de corrida, toda feita com caixas de fósforos. Passava horas concentrado, copiando os modelos que via nas revistas, com aerofólios e não sei mais o quê. Depois de prontos, ele encaixava os pneus, feitos de botões, e pintava os carrinhos, com as cores correspondentes às equipes. Era um artista!
Por isso, assim que ele soube que ia ter uma corrida de kart na Atalaia, naquele sábado de tarde, ele resolveu ir, levando a tiracolo suas duas primas menores, minha irmã Denise e eu. E quando a gente tem um primo desses, que mora fora e que é um artista, a gente acha que todos os programas vão ser bons. Simplesmente porque aos 13 anos, a gente não tem nada na cabeça...
Acontece que ninguém dirigia. Nem mesmo meu primo que já tinha 18 anos. Por isso, pedimos a meu pai para nos deixar na Atalaia. – E a volta? – quis saber meu pai. – Lá tem muita gente conhecida, pai, a gente arranja alguém pra nos trazer. A certeza com que Denise disse aquilo fez calar o resto das dúvidas de meu pai.
Afinal, ela tinha uma razão. Aracaju, naquele tempo, era bem pequena e todo mundo se conhecia. Não havia muitas opções de lazer e quando algo de diferente acontecia, era certo encontrar todo mundo lá. Era assim com as corridas de kart e foi depois com o tobogã da Praça da Bandeira, e depois com o Mini-golf, outra ideia inovadora, instalada na Praça Getúlio Vargas, que logo se transformou no point de encontro de centenas de adolescentes. O tempo de vida do mini-golf foi breve, mas o nome da praça ficou sendo, para sempre, “Praça do Mini-Golf.”
As corridas de kart, naquele tempo, aconteciam na orla da praia de Atalaia, sem nenhum conforto. Fechava-se uma parte da pista, nas imediações de onde hoje é o Hotel Beira Mar, e ali, em meio a um amontoado de gente de um lado e do outro, dava-se início à corrida.
Quando chegamos, já tinha bastante gente. Nada me lembro daquela corrida, exceto que fiquei no sol, com os pés levantados, tentando enxergar alguma coisa, por entre os ombros e pescoços das pessoas. Como o percurso era circular, eu nunca consegui descobrir quem estava na frente ou quem estava atrás. Soube, apenas, que um certo piloto, de nº 8, foi o campeão daquela corrida.
Mas estávamos tão preocupados com a carona de volta que nem assistimos à premiação. Minha irmã procurou alguém conhecido, mas não encontrou. Meu primo, então, sugeriu: “Vamos a pé. No caminho, pode passar alguém conhecido e dá uma carona a gente.” E quando a gente tem 13 anos, tudo o que a gente mais quer é fazer de conta que é animada e topa tudo. Simplesmente porque aos 13 anos, a gente não tem noção de nada. Muito menos de que a distância entre a Atalaia e o centro é de 10 km...
O resto é fácil de adivinhar. Não encontramos ninguém conhecido no caminho e fizemos a pé, debaixo de um sol muito quente, aqueles 10 quilômetros que pra mim pareceram 100... Depois daquele dia, nunca mais quis saber de corridas de kart. Fiquei traumatizada.
Até que um dia, um certo piloto fez uma ultrapassagem arriscada e perigosa e, deixando pra trás seu principal concorrente, conquistou, para sempre, o meu coração. Um certo piloto, de nº 8...
(Ao meu piloto, Austeclino Rocha, com meu amor de sempre.) (Lilian Rocha - 6.12.14)

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