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VINTE E POUCOS ANOS

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 17 de nov. de 2017
  • 3 min de leitura

Ele tinha "20 e poucos anos", quando me apaixonei por ele. A novela era "Água Viva", grande sucesso dos anos 80 e o personagem dele chamava-se "Marcos". Era um médico de família rica, recém-formado, que logo se apaixona por "Janete" (Lucélia Santos), uma menina de outra classe social, muito independente. É claro que a mãe de Marcos, a elegante "Lourdes Mesquita" (Beatriz Segall) não vê com bons olhos esse romance e, por isso, passa a novela toda tentando separar os dois, fazendo a pobre da "Janete" comer o pão que o diabo amassou... E toda vez que os dois brigavam e a coitada da "Janete" chorava, lá vinha a música: “Eu não abro mão... Nem por você, nem por ninguém eu me desfaço dos meus planos, quero saber bem mais que os meus 20 e poucos anos..."

É claro que eu não resisti e acabei me apaixonando por "Marcos", o personagem de Fábio Jr. Mas me apaixonei também por aquela música, cantada por Fábio Jr, o ator-cantor que interpretava "Marcos". E quando a gente se apaixona por um personagem, o negócio fica ainda mais complicado, porque aquele personagem não existe de verdade, seu tempo de vida é de apenas...6 meses!

Mas o que eu podia fazer? Agora era tarde, eu já estava apaixonada. E como toda apaixonada de 20 e poucos anos, eu também vivia com a cabeça nas nuvens... Na hora da novela, lá estava eu, de olho duro, esperando "Marcos" aparecer. E quando "Marcos" aparecia, Fábio Jr. também "aparecia", através dos versos da música... E se Janete chorava de lá, eu chorava de cá também, pois eu também não queria me separar de "Marcos"... A essa altura, eu já não sabia mais onde terminava "Marcos" nem onde começava Fábio Jr. E nem tampouco onde terminava Lilian e onde começava "Janete"... Passei a sonhar com "Marcos" e a pensar nele durante o dia. Queria ser "Janete". Pois só como "Janete", eu podia ter "uma chance" com "Marcos". Mas nem "Janete" nem "Marcos" existiam de verdade. Oh,Deus!

No último capítulo, uma cena inesquecível: Janete resolve ceder à pressão da mãe de Marcos, termina o namoro e decide ir embora do Brasil. Já de mala arrumada, ela entra no banheiro e, com o batom, começa a escrever alguma coisa pra Marcos, no espelho do armário. De repente, ela vê a imagem dele refletida no espelho e sem acreditar no que está vendo, volta-se para trás. E lá está ele, encostado na porta do banheiro, com um sorriso no canto da boca, vendo-a escrever... E ao som de "Cruisin", ela se rende ao abraço dele e desiste da viagem... E do lado de cá da tela, eu também suspirei fundo e fingi que aquele abraço era em mim...

E o tempo passou. Mas nunca mais me esqueci de "Marcos". Basta que eu ouça os primeiros acordes de "20 e poucos anos" ou de "Cruisin" e toda aquela emoção que eu sentia vem à tona de novo... Foi assim ontem, durante o show de Fábio Jr. Enquanto ele cantava, mil lembranças começaram a desfilar na minha frente... Lembrei-me de "Marcos" e de toda a emoção que os "20 e poucos anos" dele me fizeram sentir, quando eu também só tinha essa idade. Lembrei-me dos planos que fiz pra minha vida e da força com que eu lutava por eles. Pois com 20 e poucos anos, a gente não desiste facilmente das coisas nas quais acredita. Com 20 e poucos anos, a gente pensa que o mundo nos pertence e que tem uma vida enorme pela frente...

Os 20 e poucos anos dele se transformaram em 60 e poucos, mas o sorriso e o carisma do personagem que encantou por seis meses a minha vida não envelheceram. Pois que o tempo não existe para o nosso espírito. Há lembranças que simplesmente adormecem em nossa alma e ali se deixam ficar, esperando o momento mágico em que serão despertadas outra vez... Esse momento mágico, pra mim, acontece sempre quando eu ouço alguma música que um dia me fez sonhar. Só a música tem esse poder de penetrar fundo em nossa alma e revirar, sem cuidado, todas as nossas lembranças.

Foi assim que me senti ontem. Com a alma em festa, renovada e feliz. E mesmo sabendo hoje que o mundo não me pertence de fato e que a vida não passa de um breve instante, me senti forte outra vez, disposta a "não abrir mão dos meus planos" nem da minha felicidade. Exatamente como a gente pensa, quando tem apenas "20 e poucos anos"...


(Lilian Rocha - 12.11.17)


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