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MEU PÁSSARO AZUL

  • Foto do escritor: Lilian Rocha
    Lilian Rocha
  • 29 de nov. de 2017
  • 4 min de leitura

Sempre fui uma pessoa teimosa. Mas não era uma "teimosa normal", era uma "teimosa severa", daquelas que ficam ali do lado, miudinho, insistindo, argumentando, replicando, até conseguir o que eu queria. Acho que até hoje sou assim. Quando meto uma coisa na cabeça, sou capaz de virar o mundo até conseguir. E se as coisas não saem como eu quero ou como eu idealizei, eu não sou de bater de frente com ninguém. Prefiro ir comendo pelas beiradas, devagarzinho, "argumentando com delicadeza" (se é que isso existe!), até conseguir convencer o meu interlocutor que "do meu jeito" fica melhor... É claro que também posso mudar de ideia e ser convencida, ao invés de convencer. Mas isso só depende da capacidade de persuasão do meu interlocutor. Se ele não tiver argumento convincente, melhor desistir...


Uma das pessoas que mais sofreu com essa minha insistência foi meu pai. Lá pelos meus 15, 16 anos, eu vivia com a cabeça em Salvador, onde morava minha prima e todos os amigos dela. Vivia escrevendo carta pra ela e sonhando com um feriado qualquer pra poder ir pra lá. Só havia um pequeno detalhe: convencer meu pai a me deixar viajar... Pra isso, eu me sentava ao lado dele na hora do jantar e começava a minha árdua tarefa... - Pai, posso ir pra Salvador amanhã? - Fazer o quê? - perguntava ele, de testa.

Ora, isso é lá pergunta que se faça a uma filha adolescente? Pra mim, eu sempre teria muita coisa pra fazer lá, mas nenhuma dessas minhas coisas seria suficientemente "necessária" pra ele, porque adolescente, na verdade, passa a maior parte do tempo sonhando acordada. E entre sonhar acordada aqui ou lá, era melhor sonhar aqui mesmo. Por isso, o jeito era começar a comer pelas beiradas... Ele, então, caprichava nos argumentos, sempre profundos e inteligentes. Mas pra cada um eu dizia: "Besteira, pai, o que é que tem demais?" Até que ele finalmente entregava os pontos, visivelmente irritado com a minha insistência: - Tudo o que eu digo, você diz que é besteira. Por mim, você não iria, mas se você quiser ir, vá...

Nessa hora, meu rosto se iluminava de felicidade e eu saía de fininho pra arrumar a sacola, antes que ele voltasse atrás. É bem verdade que a viagem de ida não era lá muito agradável, pois eu sabia que tinha deixado ele triste e isso me dava um remorso incrível. Muitas e muitas vezes fui chorando dentro do ônibus, pensando nas palavras dele...

Certa vez, numa dessas quedas de braço, ele me perguntou se eu conhecia a história de "O pássaro azul", um filme antigo, de 1940. E pacientemente, pôs-se a me contar a história de uma criança mal humorada, que não dá valor à família que tem. Até que ela e o irmão recebem a notícia de que seu pai vai pra guerra e eles ficam muito tristes. Nesse momento, uma fada aparece, dizendo que eles precisam encontrar o "pássaro azul" da felicidade. Eles então passam a procurá-lo por todos os lugares, até mesmo no passado e no futuro. Tudo em vão. Completamente exaustos e desanimados, eles voltam pra casa. De repente, ouvem o canto de um pássaro e correm ao encontro dele. Era o pássaro azul que vivia, justamente, no quintal da casa deles... - A felicidade que você tanto procura em Salvador, na verdade está muito mais perto do que você imagina... - concluiu meu pai.

Nunca mais esqueci aquela história e muitos anos depois, quando eu estava viajando, tive a oportunidade de ver esse filme na televisão. E mesmo sendo um filme de 'sessão da tarde', chorei muito, me lembrando daquela noite em que ele me ensinou sobre a felicidade...

É interessante ver como as palavras têm força. Enquanto as minhas pobres palavras tinham o poder de minar as forças dele, até fazê-lo desistir, as dele eram tão profundas que entravam com força no meu coração e na minha mente e ali ficavam, para sempre guardadas, esperando uma ocasião especial para usá-las, do mesmo jeito que a gente faz com algo muito valioso...

E ele tinha mesmo razão. Nossa felicidade não está em lugares distantes e nem ficou perdida em algum lugar do passado. Tampouco está à nossa espera 'no futuro', pois o futuro, nada mais é do que um lugar que não existe. Também não importa 'de que cor' é a nossa felicidade. O que importa é que ela vive bem pertinho da gente, no lugar menos provável possível... Pode ser no quintal de casa, onde as roupas descansam no varal, de mãos dadas umas com as outras; pode ser na cozinha, de onde inesperadamente sai aquele cheirinho de café que acabou de ser coado; pode ser no quarto, naquela bagunça que alguém deixou ali, só pra dizer que 'volta já'...

Não importa onde você vai encontrar a sua felicidade. A minha eu já encontrei faz tempo. Ela está onde está o meu coração. E quem me ensinou isso foi ele, meu pai, o meu "pássaro azul"...


(Lilian Rocha - 26.11.17)


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