"NOSSA SENHORA DA BARRIGA"
- Lilian Rocha
- 8 de jan. de 2018
- 6 min de leitura
Desde criança, sempre tive vontade de ter um santo ou santa de minha predileção, a quem eu pudesse recorrer nos momentos difíceis. Eu achava bonito ver minha mãe rezando antes de dormir, sempre tão contrita, pedindo proteção a cada um em particular. Nem dos mortos ela esquecia. Ela rezava baixinho, mas era uma reza tão comprida, que eu não conseguia decorar. Resolvi, então, inventar minha própria oração, simples e curtinha, bem apropriada aos meus 10 anos: “Saúde e força para enfrentar tudo o que vem na minha frente, muita paciência e paz aos mortos.” Em seguida, eu pedia saúde pra meu pai, minha mãe e pra cada um dos meus 5 irmãos, dizendo o nome de cada um deles pela ordem. Essa oração tão bobinha logo se tornou um hábito e me acompanhou para sempre. Quando me casei, confesso que tive muita dificuldade de encaixar o nome do marido e dos filhos, de tão acostumada que estava com a outra. Agora entendo por que minha mãe demorava tanto pra rezar. À medida que vamos ficando velhos, a lista de pessoas na família vai crescendo muito e a dos que se foram, então, nem se fala...
Mas só aos 20 e poucos anos foi que eu “escolhi” a minha santa. E a escolha se deu por causa de uma senhora inesquecível que eu conheci, chamada D. Conceição Sabino, irmã do escritor Fernando Sabino, a quem tive, também, o privilégio de conhecer! D. Conceição era uma pessoa maravilhosa, muito alegre e espirituosa. E uma verdadeira dama! Sabia arrumar uma mesa com elegância, sabia o que servir, enfim, conhecia todos os segredos da arte de receber convidados. Aprendi muito com ela! Mas o que mais me fascinava nela era sua completa devoção por N.S.de Fátima, a quem ela chamava simplesmente, de “minha santinha”. Dona de uma fé fora do comum, uma das coisas de que ela mais gostava era justamente de contar as graças que tinha alcançado através de N.S. de Fátima. A santa ficava guardada no armário do quarto e quando ela se via aflita, corria pro quarto, tinha uma conversa em particular com a santa e logo, tudo se resolvia, era incrível! Eu mesma fui testemunha disso várias e várias vezes...! A intimidade dela com N.S. foi me contagiando a tal ponto, que eu resolvi “pegar carona” na devoção dela. Afinal, eu sempre quis ter uma santa. E aquela me parecia perfeita!
Nesse mesmo tempo, eu perdi minha avó e como lembrança dela, fiquei com uma pequena imagem de NS.de Fátima, muito simplesinha, que vinha junto com uma redoma de acrílico. Agora eu tinha a minha própria santinha! E tal como D. Conceição fazia, comecei a conversar com ela, de igual pra igual, tentando “criar intimidade”. E assim fomos vivendo. Ela morava no meu quarto, em cima de uma das prateleiras da estante. Quando eu estava angustiada, eu a procurava e pedia que ela resolvesse tudo pra mim, da forma que ela achasse melhor. Em seguida, eu a tirava da redoma e esperava. Às vezes, ela passava dois ou três dias fora da redoma, coitada, e só voltava quando tudo estava resolvido. Era o nosso acordo. E ela tinha uma agilidade tremenda, nunca vi! Tenho pra mim que ela “furava a fila”, cochichava no ouvido de Deus o que eu queria e Ele a atendia prontamente. E tudo isso... sem sair da estante! De repente, lá estava eu com a solução prontinha na cabeça. Era hora, então, de dar um monte de beijo nela de agradecimento e guardá-la de volta na "casinha".
Minha intimidade com N.S. de Fátima foi crescendo tanto e a tal ponto, que um dia, entrei na igreja e deixei nas mãos dela uma das decisões mais difíceis da minha vida. Falei pra ela antes da missa que o “pensamento” que eu tivesse quando saísse da igreja era o que ela queria que eu fizesse, ou seja, era o que me faria feliz. Dito e feito. Saí da igreja certa de não fazer uma viagem que estava programada para 4 dias depois. Voltei pra casa, desarrumei a mala e pelo telefone, terminei um namoro à distância de quase 5 anos, alegando exatamente isso: “N.S.de Fátima me disse pra não viajar.” Três meses depois eu estava casada com outra pessoa e muito mais feliz do que antes. Coisas de N.S.de Fátima...
Foram muitas e muitas coisas que ela resolveu pra mim. Ela nunca me deixou sem resposta e eu, por minha vez, sempre compreendi a linguagem dela. Mas minha conversa com ela e com os outros santos sempre foi diferente. Nunca gostei dessas orações prontas e repetitivas, que muitas das vezes a gente nem sabe o que está dizendo. Prefiro o “olho no olho”, a conversa no pé do ouvido. Pra mim, dá muito mais certo. Como daquela vez na casa de praia...
Eu estava vivendo uma fase muito difícil, tendo inflamações frequentes de garganta, por qualquer motivo. Vivia à base de Frademicina, uma injeção por dia. Assim que acabavam os 5 dias prescritos, bastava tomar um vento qualquer e lá estava eu com febre e a garganta inflamada de novo! Pois bem, nesse tempo eu já tinha 3 filhos e estava passando um fim de semana na casa de praia. Eu e minhas injeções. De noite, percebi que minha menstruação estava atrasada e fiquei apavorada, com medo de estar grávida. Não pelo neném, claro, pois eu queria mais filhos, mas por causa das injeções que eu estava tomando. Elas poderiam causar dano ao feto.
Sem pensar duas vezes, subi até o meu quarto, onde tinha um crucifixo enorme pendurado na parede e com o dedo apontado para Ele, dei-lhe a maior bronca: “Olhe aqui, Você sabe que eu adoro crianças, que aceitei todos os filhos que vieram. Mas Você sabe também que eu estou com a garganta inflamada, estou tomando antibiótico e sabe que isso pode muito bem prejudicar o feto. Por isso, decida o que Você quer de mim. Se quer me dar outro filho, não tem problema, mas me cure da garganta primeiro. As duas coisas juntas é que não vai dar!” Em seguida, desci e voltei a fazer o que eu estava fazendo, sem pensar mais no assunto. Em menos de 1 hora, fiquei menstruada. “Ele” viu que eu estava falando sério mesmo... E acho que foi “Ele”’ também quem depois me soprou ao ouvido a ideia de procurar um médico homeopata. Eu fui, me livrei das injeções e um mês depois engravidei. O tratamento homeopático durou toda a gravidez. O bebê nasceu saudável e nunca mais tive inflamação de garganta. Isso já dura 27 anos..
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Certa vez, fui convidada pra dar uma palestra e resolvi levar NS de Fátima junto comigo, pra “me iluminar”. Coloquei-a entre o cós da calça e a barriga e só de senti-la junto a mim, entrei confiante. A palestra deu certo e eu tenho absoluta certeza de que foi ela quem colocou as palavras certinhas na minha boca... Depois disso, ela passou a ser a minha “N.S. da barriga”. Que me protege nas viagens, que me defende de pessoas ruins, que me sopra as decisões que tenho que tomar, que me acompanha quando vou receber o resultado de algum exame tenebroso, que acalma meu coração quando ele está apertado, enfim, que está comigo em todos os momentos.
Hoje tenho uma verdadeira coleção de nossas senhoras de Fátima. Pequenas, médias, grandes e até uma enorme! Tenho uma que muda de cor conforme o clima e tenho até uma “verdadeira”, comprada lá em Fátima. Todas elas me foram dadas de presente por pessoas muito queridas que sabem da minha imensa paixão por ela. E a depender do tamanho do problema, eu escolho a que irá comigo na minha barriga... Já houve algumas ocasiões sérias em que tive que levar "a verdadeira" presa na barriga e mais duas pequenas no bolso. Imaginem o incômodo pra sentar com uma santa de 30cm enfiada no cós da calça! Mas graças a elas, nada me aconteceu de mal! Sabendo disso, algumas pessoas já me deram medalhinhas e miniaturas de N.S. de Fátima, tentando me convencer de que era uma forma "mais prática" de levá-la comigo. Mas eu continuo firme, não abro mão delas...
Mas apesar de todas elas serem N.S. de Fátima, eu também tenho a minha predileta. É a mais poderosa. A ela cabem as tarefas mais difíceis. Foi ela quem viajou e protegeu meus filhos quando eles estiveram longe, fazendo intercâmbio, foi ela quem esteve ao lado de minha mãe e meu irmão nos momentos mais difíceis, é ela quem eu levo comigo sempre que alguém meu é internado e é ela quem dorme comigo debaixo do meu travesseiro, nas minhas noites mais escuras...
Hoje, muito mais do que nunca, quero que continue valendo aquela minha oração de criança. Quero que "Ela" me dê a “saúde e força” necessárias “para enfrentar tudo o que vier na minha frente”; “muita paciência” para aprender a contornar as dificuldades e não desistir da vida, e “paz aos mortos”, para que eu me lembre sempre de que a morte é nada mais que um instante, a porta de entrada para uma vida onde só reina a paz...
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